Nunca
aceitei muito bem a estória de Adão e Eva, sempre tive as minhas reservas. Pois
se Adão era à imagem e semelhança de Deus, tinha que ser inteligente o
suficiente para não se convencer por um argumento tão simples quanto “os nossos
olhos se abrirão”. A verdadeira história talvez nunca seja conhecida, mas eu
imagino que pode ser a seguinte:
A
primeira retificação nessa versão é que não era uma serpente quem seduziu a
mulher, mas um papagaio e se pensarmos e um pouco, ele é o único animal capaz
de imitar a fala humana, por isso, é mais fácil acreditar num papagaio falante
do que numa serpente. Tudo bem que se dá a entender que ela não se arrastava o
que nos faz pensar que todas as suas impossibilidades atuais são resultado da
maldição, mas se Deus não foi tão cruel com os homens, porque teria sido com o
pobre animal? Alguns talvez digam:
-
Mas não era a serpente, era o diabo.
Neste
caso, ela não devia ser castigada porque estava possuída, com certeza a
serpente acabaria bem se os advogados já tivessem sido inventados. Mas o
papagaio se saiu melhor já que, apagou completamente os seus vestígios, deixando
a serpente como a má da fita.
Ele
ouviu uma conversa qualquer sobre uma das frutas do jardim e foi contar à
mulher, que curiosa decidiu provar, mas claro, ela sentiu-se arrependida logo a
seguir e a única pessoa com quem podia partilhar a culpa era Adão. Aqui começa
outra imprecisão interessante, pois para convencer a humanidade da culpa da
mulher fabricou-se como sempre se faz "desde que o mundo é mundo" uma
narrativa na qual toda a culpa recai sobre a mulher, como se o pobre Adão não
tivesse ele mesmo a mínima curiosidade sobre a suposta fruta. Seria mais justo
se imaginássemos em vez disso um cenário em que Eva não tivesse convencido o
homem tão facilmente como se diz, dizendo por exemplo, que na época ele ainda tinha alguma
sensibilidade e quando Eva começou a reclamar que ele não a entendia, não se
solidarizava nunca com ela, que sempre fazia tudo sozinha, pois ele era
descuidado com a única pessoa que fazia tudo por ele, que não chegou onde
chegou sozinho, mas porque ela sempre o apoiara mesmo quando não concordava ou
quando as suas idéias pareciam extremamente absurdas e tresloucadas, que estava
cansada de levar a relação sozinha há muito tempo e que se ele queria continuar
a relação era melhor que começasse a se esforçar e aquele era sem dúvida o
melhor momento para fazê-lo se não quisesse começar a procurar outra Eva! Adão
não teve escolha e se solidarizou com a mulher. Porém, dizer que apenas isso lhe
custou o paraíso é uma saída fácil demais para Adão, pois significaria de novo
que a culpa toda foi de Eva criando uma narrativa de culpabilização da mulher
desde os primórdios, garantindo desde então o surgimento na história da
humanidade de uma espécie de bode expiatório para todos os deslizes
masculinos.
De lá pra cá, sempre que alguma coisa sai errada, Eva é culpada. A
Eva de hoje, são as Mães, que quando o filhinho erra, são logo tornadas putas
(filho da puta), são as esposas que têm que assumir a responsabilidade de
cuidar dos maridos para não serem vistas como más esposas, são as que recebem a culpa pela traição dos seus esposos, porque não foram "esposas
suficientes", são as "grandes mulheres" que sempre estão atrás e
nunca do lado dos grandes homens, são as irmãs que não merecem as mesmas
oportunidades que os irmãos, etc.
As Evas atuais carregam o peso de uma mulher, acusada injustamente
e que se calhar nunca chegou a existir, porquanto a verdade sobre este velho
mito ficará por isso mesmo, pela imputação de uma culpa fictícia às mulheres.