Tenho a impressão de que hoje em dia, a
normalidade é uma epidemia, uma doença, que se espalha de forma descontrolada, causando
entre outras coisas, uma despreocupação crônica com a realidade, uma falta de sensibilidade
em relação a tudo que acontece longe do nosso quintal, nos mantendo
anestesiados diante das notícias que usam a desgraça alheia como meio para
aumentar a audiência e faz as pessoas sujeitarem-se a viver numa uniformidade
induzida pela necessidade desesperada de conforto e segurança. Os poucos que se
deram conta disso tentam por esforços isolados automedicar-se com atividades
que quase sempre são atestadas como desviantes, marginais, ou ainda,
comportamentos indesejáveis e potencialmente perturbadores da ordem social e
quando isso acontece, temos os psiquiatras e psicólogos, prestando, de forma “abnegada”,
o seu trabalho, catalogando e psicopatologizando todos esses comportamentos através
de diagnósticos, descrições de doenças e sintomas propositadamente inacessíveis
aos leigos, atestando dessa forma a autenticidade dos seus pareceres e
reafirmando a sua autoridade médica.
Para garantir a certificação dessas teorias, os
cientistas se põe solicitamente ao serviço da sociedade, promovendo pesquisas supostamente
objetivas, que servem não só para comprovar a veracidade dos diagnósticos, mas
para dar o cunho de verdade, que ainda esteja em falta nalgumas formas de atuação
dos profissionais envolvidos na árdua tarefa de manter esse obsessivo padrão de
normalidade. Algumas vezes abrem-se convenientes exceções nestas teorias para
descongestionar as cabeças de algumas pessoas do peso de consciência gerado por
medidas impopulares ou guerras injustificadas, servindo também para
racionalizar sobre a legitimidade e a lisura de suas intenções. Assim, enquanto
vivermos nessa normalidade patológica, não faltarão minorias descriminadas, mas
esperemos que pelo menos isso sirva para nos lembrarmos do seguinte: a normalidade é cultural e relativa!