quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Importância de uma boca grande


Todo mundo sabe que o truque mais antigo para se ganhar uma luta é uma boca grande, pois não há demonstração de força, maior do que a capacidade de assustar as pessoas com sentenças ameaçadoras construídas por meio de palavras, que aterrorizam até quem as profere. Não falo necessariamente de xingamentos mas da conhecida volúpia daquelas intimidações feitas, enquanto disfarçamos o medo de apanhar, com uma altivez totalmente desconcertante para o nosso adversário, quando no fundo toda aquela aparente coragem não passa de um engodo de que se valem os que cedo aprenderam, que as batalhas ganham-se no bate-boca que antecede todo o confronto físico.
Não é por acaso que os exércitos sempre começam com demonstrações acrobáticas de voo, tentando passar a “clara” mensagem da perícia dos seus pilotos (se bem que no caso dos kamikazes essa talvez não fosse uma questão  importante). Assim, as manobras que assistimos, deixando-nos boquiabertos pela sua quase improbabilidade, nada mais são do que bocas grandes gabando-se de uma supremacia muitas vezes ilusória e mentirosa, da mesma forma que os destacamentos armados, marchando nas praças públicas, que contagiam o povo com promessas de vitória, legitimadoras da morte desnecessária de milhões de jovens ingressados nas fileiras dos exércitos por pura ingenuidade, ou por uma ideia distorcida de dever patriótico. A mesma função, é cumprida também pelos desfiles alegóricos de carros de combate, com alto poder de fogo, ação de choque, alta mobilidade e sistemas sofisticados de comunicação, usados para nos iludirem com uma falsa ideia de segurança, que mascara de propósito um belicismo que afronta a todos os ideais de liberdade e justiça, conquistados a duras penas nos últimos séculos, além de destruírem a ideia romântica de revolução, que a história tem tratado de apresentar-nos como uma representação quase esteticamente aceitável da violência a ela inerente.

domingo, 30 de setembro de 2012

Homens (machos) à deriva


Hoje os homens vivem “tempos difíceis de manejar”, pois ser macho já não é tão fácil quanto antes, quando não existia essa proliferação de movimentos, que criminalizam quase tudo o que representa ser homem, tornando as coisas de que antes nos orgulhávamos em sua maioria, coisas vergonhosas. Perdemos as definições claras, que aprendíamos ainda meninos e as liberdades que se supunham exclusivas de um clube (de indivíduos falocêntricos) que podia praguejar sem recriminações ou pesos de consciência, criar arruaças para provar sua machesa assegurando aos adultos que estava a aprender bem a coisa e xingar para expressar seus confusos sentimentos, aliás, sentimentos era algo que quase não fazia parte de nosso rústico vocabulário, por isso sabíamos, quase intuitivamente, que em parte, ser homem era mostrar ao mínimo o que sentíamos, já que frases como: um homem nunca chora, por mais dura que seja a dor, haviam sido sistematicamente marteladas em nossas cabeças diminuindo já desde essa altura a possibilidade de tê-las um pouco mais arejadas. Porém, hoje, a maioria de nós chora pior que um recém nascido já que a certeza de estarmos sem nosso antigo norte é cada vez mais forte. 
Naufragamos em algum lugar muito estranho e estamos à deriva, vivendo  simultaneamente (mesmo sem coragem de admitir) o medo de nunca mais encontrarmos terra firme e a angústia de pousarmos em algum pântano desconcertantemente arenoso e complexo demais para nossa geografia masculina. Percebemos finalmente, que negligenciamos a crise das mulheres por séculos, deixando-as debaterem-se na (re)conquista de seus lugares e o custo disso chega agora em que experimentamos nós mesmos nossa própria crise, a qual o lendário orgulho masculino com certeza não será suficiente para ajudar-nos ultrapassá-la, pois, as antigas referências já não valem mais para afirmar nossos supostos valores e as novas, tardam a chegar. Por isso, restam-nos poucas soluções, além de tropeçarmos constantemente numa identidade caduca de Homem hetero, que perdeu a maior parte de sua tangibilidade.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Praça da miséria

Como sempre, às manhãs de sábado eram as alturas que as pessoas usavam como desculpa para visitar os populosos mercados, conhecidos no seio popular com praças. Não muito porque era o nome que melhor se adequava, mas principalmente, devido ao fraco vocabulário das pessoas humildes. Assim, na ausência de expressões linguisticamente mais ricas, colava-se na boca do povo, majoritariamente analfabeto, o simples “vou na praça”, que servia para expressar a assustadora diversidade de utilidades, que aquele espaço simultaneamente informal, ilegal e marginal, possuía. Por isso, engana-se quem imagina esses lugares como sendo apenas espaços de venda de bens e serviços, que mantinham à duras penas a já difícil subsistência de milhares  de cidadãos, expatriados de quaisquer direitos sociais e civis, salvo quando sua opinião valesse  o voto, que faria a diferença entre uma monarquia ilegal e uma série de Promessas de Governo com uma competência duvidosa, devido aos interesses  escusos, que sustentavam seus discursos pretensamente patrióticos. Essas praças, como queríamos dizer, expunham também uma forma de vida característica de um grupo, que está condenado a conformar-se com um distanciamento social crônico e desnecessário entre cidadãos de uma mesma nação, pois estavam fadados a viver como nacionais de 3ª classe, afinal, jamais lhes tinha sido explicado, quê “estória” é essa de igualdade de oportunidades, direitos civis, dignidade social, etc., todos conceitos muito difíceis de serem entendidos por essas pessoas, pois eram tão abstratos e tão difíceis de ilustrar quanto 3 refeições por dia, um salário, ou, um emprego de fato, já que as únicas coisas que estavam acostumadas a viver reproduziam uma taxa de desemprego altíssima, condições de vida precárias e uma impossibilidade dolorosa de sonhar com dias melhores.
Então, as grandes praças, eram o remendo possível de uma situação impossível, pois aceitava sem preconceitos, que por lá proliferassem todos, comprando, vendendo, trocando e enganando, sempre que possível para fermentar o lucro apertado, que oferecia o monte de tomate estragado de tanto calor, de 5 por 300,00, a carne coberta de tanta mosca que os clientes preferiam não ver, a roupa que se fingia nova em folha, para bem da transação e que guardava histórias desinteressadas sobre o quotidiano das pessoas que pululavam pelo mercado por verdadeira necessidade, ou apenas por interesse turístico, que muitas vezes saia mais caro do que os pulas alheios esperavam, roubados mesmo nas barbas de uma polícia impávida, que acostumou-se a observar, mais do que a agir. Ninguém sabe se por covardia, ou por conluio com os ladrões que se dividiam em bandos altamente organizados para garantir resultados cada vez mais eficazes, deixando assim, que suas histórias de fracassos individuais se diluíssem numa espécie de sucessos coletivos, mesmo que todo aquele esforço e júbilo terminasse apenas em algumas cervejas, tomadas na barraca de uma Tia Maria qualquer, que guardava o dinheiro evitando perguntas, para não se chatear com a obviedade das respostas.

sábado, 25 de agosto de 2012

Departamento de perguntas idiotas


Imagine uma pessoa estatelada no chão, depois de uma queda pública espalhafatosa, quando aparece um Zé da Esquina, que pergunta despropositadamente:
- E então, caíste? Como se tudo que tinha acontecido pudesse ter sido um teatrinho feito apenas para atrair a atenção de um bando de desconhecidos. Claro que na maioria destes casos você está tão desmoralizado, que no máximo apenas te vai sobrar inspiração para dirigir-lhe um olhar fulminante. E então, depois de passado o susto lá vem silenciosamente a resposta, que gostarias de ter dado naquela altura:
- Não. Estava somente a experimentar uns malabarismos e a explorar as limitações  mecânicas do meu corpo!
Imagino que muitos, já tiveram aquela vontade quase assassina de responder com tolerância zero à esse tipo de pergunta. Afinal, o “tipo” já viu a obviedade da resposta e mesmo assim ainda te provoca com aquela pergunta asquerosamente imbecil e não me digam que é por boa educação, porque nesse caso não perguntaria, ajudaria a levantar, ou melhor ainda, cairia também, só para mostrar solidariedade. Em minha opinião, é mesmo imbecilidade, perguntar a que horas sai o autocarro (ônibus) das sete, como se existisse algum planeta em que ele sai às oito, sem deixar de ser “o das sete”, por este motivo, meu amigo não poupa impropérios quando alguém liga para o seu celular, perguntando pelo dono do telemóvel. Mas claro que às vezes ele abre um parêntesis de condescendência à deselegância da pergunta:
- Não, é que ele deixou o telemóvel na praça, porque está fazendo campanha contra a descriminação à perguntas esdrúxulas!
Mas é também verdade, que nós mesmos não somos imunes a isso e às vezes só nos apercebemos da redondeza da nossa bem intencionada pergunta, depois de uma resposta brincalhona de um sicrano qualquer:
- Não, não estou aqui, é apenas uma projeção holográfica, pois neste momento estou gozando umas férias no Havaí, apreciando a brisa que me chega do vai e vem preguiçoso das ondas.
E uma resposta tão criativa quanto essa dói tanto que te faz lembrar aquela pancada despropositada na porta, ou janela deixada aberta por acaso, como se estivesse lá apenas para te fazer ouvir um irritante:
- Doeu? Ainda mais despropositado ao qual adorarias responder sem a polidez convencional:
- Queres experimentar, seu despenteado mental? 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Está carente? Comente na web!


Hoje, todo mundo conhece a fórmula Web = Visibilidade/Atenção. Claro que aqui não se pretende discutir o tipo de atenção, que se busca  e menos ainda, que se recebe, mas apenas aproveitar para apregoar, desinteressadamente, que a fórmula funciona, que é uma beleza!
Como todas as fórmulas, essa também tem as suas variantes, mas eu adoro sobretudo a do “efeito aniversário”, que é em minha opinião, de todas, a mais interessante. Mal começa o dia e a pessoa mais solitária e mal-amada, se for a aniversariante, torna-se um poço de atenção. Mensagens nostálgicas chegam sem parar, trazendo lembranças de situações de que a pessoa tem dúvidas de que um dia realmente existiram. Amigos de infância reaparecem, tentando convencê-la de que jamais foram embora e que sempre estiveram torcendo por si, pelo menos em pensamento, e ela, tão hipócrita quanto eles, engole a elogiosa mentira e retribui com um “igualmente obrigado” ainda mais mentiroso.
Os ex fazem-lhe arrotar um simultaneamente desdenhoso e orgulhoso “só agora?”, por enviarem aquelas mensagens de pedidos de desculpa (duvidosos) pelas promessas de amor eterno, que ficaram por cumprir, ou onde testam a sua dignidade, com propostas vergonhosas de um “me perdoa!” perigosamente promíscuo e inoportuno, por causa de um perfil, que lhe faz parecer mais feliz e realizada do que nunca, graças ao photoshop, que guarda milagrosamente, as rugas das desilusões crônicas fora do mundo virtual, onde uma vida assustadoramente real não dá tempo para fantasiar um status, que lhe faça parecer mais legal e divertida.
Os vizinhos que quase não lhe cumprimentam na vida real, aproveitam para cutucar ou fazer solicitações no cityville e os colegas, por alguma razão obscura, trocam a palmadinha nas costas por um “gostei” em cima dos posts, que proliferam de forma viral em seu mural, deixando-lhe a tarefa de copiar e colar o “obrigado pelo carinho”, apenas para garantir que ninguém se sinta rejeitado. E se esquece propositadamente, que enquanto o número de visitas ao seu perfil aumenta, os abraços se tornam cada vez mais escassos, deixando-lhe espaço para mais e mais comentários na net.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Angola me cansa!


Sou como milhares de angolanos, que mais por orgulho do que por um patriotismo verdadeiro, desconsideram as acusações sobre corrupção de que se ouvem falar em noticiários sensacionalista de cadeias televisivas estrangeiras, que não medem esforços para arrastar o nosso “bom nome” aos lugares mais desonrosos das listas, que qualificam os países pelo grau de honestidade e transparência na gestão pública. Porém às vezes, esse patriotismo mal informado é suplantado e posto à prova por várias situações, que somos obrigados a suportar em lugares públicos e mesmo privados. Não interessa se se trata de um cartório, um aeroporto, ou o cúmulo, uma esquadra de polícia. Sempre encontramos o espectro de uma corrupção assombrosa, tão frequente que quase se confunde com um procedimento normal e obrigatório; e se antes as pessoas, sentiam-se inibidas a oferecer subornos, hoje em dia, a coisa é escancarada e sem o mínimo de escrúpulos. Os próprios funcionários negociam infracções para garantirem no final aquele argumento que parece a única saída legal: “você me ajuda e eu te ajudo”. E quando isso acontece, não há muito a fazer pois, é sempre num timing perfeito, ou seja – tu, cidadão, desesperado, perdido, ou tão atrasado, que não te resta mais nada senão ceder, porque Infelizmente, quando há urgência e desespero a falarem mais alto, não existe sopro de bom senso, que nos sirva.
Normalmente a coisa começa com as pessoas esvaziando-se em argumentos razoáveis, passeando entre uma humildade previamente ensaiada e uma arrogância desnecessária dos agentes  e outros funcionários descaradamente corruptos, que parece formarem uma espécie de corredor polonês ao qual tu és obrigado a submeter-se, distribuindo gasosas vergonhosamente míseras, que para nada mais servem do que acabar com a tua própria dignidade, já que, ao que parece, expressões como: dignidade, honestidade e zelo não cabem nos vocabulários desses facínoras.
E então, o pobre cidadão, na ausência de qualquer possibilidade de reclamação submete-se resignadamente, guardando sua insatisfação com esperança de usá-la contra alguém, que venha um dia destes a precisar também dos seus préstimos. Generalizando-se desta forma uma estranha experiência de angolanidade, ostentada com um orgulho burro, que se baseia numa espécie de desfuncionalidade estrutural.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Mudanças pelas quais eu culpo as mulheres

experiência tem-me mostrado, que os homens não acordam pensando na necessidade de mudarem de vida. Normalmente tem sempre uma mulher envolvida (entrando ou saindo  de suas vidas) por detrás daqueles discursos que usam para convencer a si próprios e aos outros, que precisavam de novos ares, de ganhar novas experiências e aproveitar a vida de modo diferente. 
As mudanças mais interessantes, surgem quando nos apaixonamos, que na verdade, nada mais é do que o efeito de hormônios, que desregulam de forma inconsequente as nossas ações, obrigando-nos a grandes transformações para impressionar a sicrana. Nessa altura, qualquer homem que se preze, pensa em deixar de lado pelo menos temporariamente, aquela calça desgastada, ou o tênis que servia para todas as ocasiões e até reaprende a importância da higiene pessoal. Alguns vão além das mudanças físicas, tentando parecer menos brutos do que o costume sem, claro, despirem completamente aquele machismo que lhes oferece a autoconfiança de que necessitam para continuarem a achar, que essas mudanças são voluntárias. No segundo caso está a mudança que resulta da saída, quando termina o efeito dos hormônios e de repente, todas coisas que achavas divertidas nela se tornam defeitos insuportáveis e fazes a grande descoberta de que no fundo a menina não era o que querias ou pensavas que fosse. Entendes finalmente que precisas de mais espaço para descobrires quem realmente és, sozinho, fazendo emergir o clássico “eu sou o problema, não você”. Aqui mudar se torna necessário, até mesmo para a tua segurança e também para evitar despertar inveja nas pessoas erradas, porém, seja qual for o motivo, mudanças são sempre difíceis, mas ao menos oferecerem, interessantes oportunidades de visualizarmos as nossas desgraças e compará-las com as dos outros, ou para suportar de maneira resignada o “eu te avisei” daqueles amigos propositadamente inoportunos, que sempre estiveram lá olhando com uma inveja velada para os teu sorrisos espontâneos e suspiros sem motivo aparente, enquanto eram forçados pelas circunstâncias a darem um sentido melodramático a tua recente felicidade, vaticinando um fim próximo e uma mudança dramática na tua vida. Fazendo-te acreditar que é isso que fazem os verdadeiros amigos.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Insanidade é essencial

Alguém já ouviu dizer que de louco todo mundo tem um pouco? Pois bem, azar de quem não tem, pois parece haver uma dose essencial de loucura por detrás de todas as invenções geniais que conhecemos e usamos, ou seja, os acessos de loucura de algumas pessoas são muito mais benéficos do que gostamos de admitir. É só prestarmos atenção para o seguinte: inventores geniais são muitas vezes considerados birutas, endemoniados e não menos vezes hereges. Vejamos por exemplo o caso de nomes como Sócrates, que fez questão de garantir para si mesmo uma morte tão dramática quanto as encenadas nos teatros sobre o amor trágico, Galileu, oportunamente salvo pela sua covardia, quase queimado apenas porque reinventou totalmente o significado romântico do pôr-do-sol. A lista é extensa e continua entre assassinatos cobardes, martirizações despropositadas e mortes desnecessariamente dramáticas, mas felizmente, mesmo que essa suposta loucura tenha sido, ou não sancionada pela sociedade, eles continuam com as suas paranoias que a bem da verdade, garantem-nos um conforto cada vez maior. E para aqueles que acreditam que isso é apenas balela, pensem nas descobertas, ou invenções como o TNT, quem em sã consciência tentaria criá-lo? Porém, apesar de todas as circunstâncias infelizes em que o mesmo surgiu, hoje, seu criador é patrono da instituição que oferece o prêmio de visibilidade social mais ambicionado do mundo, o Nobel. Pensem na mente doentia de quem criou o primeiro avião, do que queria ele escapar? A mim não interessa se foram os irmãos Wrigth ou Dumond, a ideia vai-me parecer sempre uma grande doidice. Não dá para esquecer que foi a obsessão de um homem (considerado incapaz de aprender), que com a invenção da lâmpada ajudou-nos a chegar a atraente ideia dos passeios românticos à noite, enquanto outro, criou com o celular, uma nova maneira de se masturbar e nem perguntamos como, quando dispensamos suspiros orgásticos com quem está do outro lado da linha. E antes disso, quem pensou em usar ondas de rádio para comunicação, devia ser um esquizofrênico imaginando uma maneira de conversar com seus fantasmas, ou talvez apenas tentando lidar com sua mania das perseguições. Não dá para deixar de pensar, que algumas invenções além de loucas são também perversas, porque pergunto à mim mesmo, de onde  Freud tirou a estrutura do aparelho psíquico? E ainda deixou para outros cientistas a tarefa cabeluda de provarem a existência do inconsciente. Mas pronto, ele apenas fez algo que os físicos já estavam acostumados: inventar forças, energias e partículas que não podem ser observadas senão através dos seus efeitos, uma forma genial de garantir que a sua loucura seja levada a sério e rendendo como bônus, mitos interessantes, como no caso de Newton, afinal como alguém vê uma maçã cair e pensa em gravidade? Eu com certeza pensaria antes em sobremesa. Entretanto, independentemente do que pensamos, ou  acreditamos, todos esses gênios, nos seus acessos de loucura, muito mais do que na sua genialidade inconsistente, criaram coisas extraordinárias, obrigando-nos a pensar se talvez não seria mais útil para a sociedade que aprendêssemos a ser um pouco mais loucos, pois, essa pode ser a diferença entre um Stephen Hawking genialmente louco e um pobre doente mental incapacitado, ou entre um Einstein revolucionário e um outro velho seboso e incompreensivelmente incompetente.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Tempo de amar

Alguém já ouviu falar de Chronos e Khairós? Pois bem, estes são os senhores do tempo. Um (Chronos) é o tempo cronológico, o tempo impiedoso e rígido, que regula as horas, os dias, as semanas e assim por diante. Vivemos grande parte da nossa vida pela emergência de Chronos, fazendo planos para quase tudo o que se pode imaginar e às vezes essa obsessão para controlar nossas vidas, acaba por nos prejudicar em vez de beneficiar. Definimos quando vamos relaxar e por quanto tempo, que ainda não é hora de nos apaixonar, conhecer pessoas interessantes e divertidas, de testar coisas pelo simples prazer e assim deixamo-nos governar pela tirania desse tempo insensível, que negligencia nossas necessidades emocionais, por isso, surge o Khairós. Bem mais poético e flexível que o primeiro, aquele que nos lembra, que viver não é apenas essa preocupação neurótica com o planejamento, é o tempo da praia não só nas férias, mas a qualquer altura em que tivermos vontade, do prazer que não é recompensa de coisa alguma, da onda que nos faz rolar preguiçosos na areia, da brisa com cheiros diversos, da degustação das aventuras que não estão na agenda e das tardes ou dias de puro ócio, sem preocupações com qualquer coisa diferente de um verdadeiro motivo de felicidade. Por isso, meu Khairós, é meu tempo de amar, de dar-me ao direito de sorrir e flertar com a vida, com as nossas paixões, sonhos antigos e amores não resolvidos devido à tirania de Chronos. Meu Khairós é por isso, também minha razão para encontrar motivos que me façam acreditar em coisas impossíveis, invenções que levam a vida toda, realizações que acontecem de forma pachorrenta, sem pressa, sem urgências, sem estimativas, sem planos estratégicos, mas que apenas acontecem no meio daqueles momentos totalmente inesperados, que permitem o beijo inadvertido, a poesia instantânea e/ou a música que entra sem avisar, mas que nem por isso incomoda.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Quem precisa da verdade?

Resolvi experimentar a honestidade pura, aquela que beira a ingenuidade de criança e a senilidade da velhice. Achei que as pessoas gostariam mais de mim assim, curto, seco e verdadeiro, quase obseno. Tentei primeiro com os estranhos, pessoas que tinha acabado de conhecer. Não escondi comentários indecorosos e tentei ser espontâneo. Sempre que gostei, elogiei e quando me desagradou, escarrei um impropério. Recebi várias vezes aquele olhar aparentemente indiferente, que dói mais do que palavras chulas. Fui tratado como pervertido e em algumas vezes o assunto quase se tornou questão de polícia. Decidi parar por aí, e virei-me para os amigos. Como todos eles diziam que a honestidade era o que mais prezavam, tive a impressão de que seria uma experiência libertadora. Não tive medo de usar elogios de pedreiro para as minhas amigas e fazer rodapés sobre seu mau gosto quando se tratava de escolher namorados. A maioria ofendeu-se, xingou e cortou relações e mesmo depois de uma fortuna em flores consegui resgatar apenas algumas delas, mas tive que prometer, que jamais seria  tão honesto. Preferiam-me um elogioso mentiroso.
Meus amigos gabavam-se de serem verdadeiras fortalezas, imunes aos sentimentalismos fabricados para as mulheres, por isso, achei que resistiriam melhor aos meus acessos de sinceridade. Testei-lhes ao máximo. Confessei meu amor suspeitamente platônico por suas namoradas e o flerte inconsequente, por pura diversão. Nunca levei tanta surra, deixei de sair com a maioria deles por um tempo, quem sabe não sucumbiriam à tentação de envenenar-me para acabar com aquele sorriso cronicamente sincero, que eu transportava desde que me decidi por este caminho.
Então, era hora de testar a família, já que eles toleram nossas esquisitices de forma impossível e ao menos seu amor incondicional era mais certo do que meu próximo aniversário. E sem muitos escrúpulos, quando a noiva de meu primo que cumprimentava a todos com pedidos de empréstimo me perguntou o que eu achava dele, não resisti: é um caloteiro e irresponsável. Isso me custou o convite para o seu casamento e mesmo sabendo que eu dizia a verdade passaram a chamar-me de intriguista e invejoso. Nos funerais, eu sempre lia os elogios fúnebres, porque minhas tias gostavam da minha tranquilidade quase poética, mas quando comecei a corrigir as passagens que eu achava hipocrisias ofensivas, barraram minha tristeza sincera e deram-me um ultimato: funeral, só mesmo no teu! Agradeci a dispensa de forma educada e com um sorriso que não consegui dissimular, minha sinceridade compulsiva me traiu de novo, talvez nem no meu próprio funeral eu fosse aceite. Preferi não me preocupar, pois sabia que pelo menos meus pais apoiariam minhas verdades obcenas e não tive medo de reclamar da falta de amor em seu aniversário de 32 anos de casamento, não me deserdaram porque agora viviam às minhas custas, mas obrigaram-me a engolir meu discurso moralista, aquele que eles me tinham forçado a aprender à chineladas. Tive de me desculpar pagando missas de reconciliação só para voltar a ter o direito de lhes chamar pais. Meus irmãos, que sempre foram espíritos  abertos ofenderam-se mais ainda  e me culparam antecipadamente pelos problemas de saúde dos velhos e aconselharam a guardar longe minha honestidade, como todo adulto sensato. Restando-me apenas regurgitar, sobre  para que servia a verdade, afinal?

sábado, 5 de maio de 2012

Amar é trabalho escravo


Lembram-se do meu amigo das ideias impossíveis? Pois é, ele voltou recentemente de mais uma das suas viagens e desta vez, disse-me uma das coisas mais bizarras que eu já pôde conceber sobre o amor e que segundo o mesmo, talvez a maioria não concorde.  Amar é trabalho escravo
Claro que o meu cepticismo e arrogância não me permitiram engolir essa logo de princípio, na verdade quase me engasguei com a ideia e mesmo depois de me ter explicado, ainda me senti um pouco enganado. Ele me disse excitado com a minha cara de planície: 
- É verdade amigo, o amor tem todas as características do trabalho escravo. Se não vejamos, nunca é voluntário, afinal, as pessoas, por convicção ou simples conveniência dizem sempre que não se pode escolher o próximo da lista por quem nos apaixonaremos, em vez disso, ele (o amor) acontece por acaso, quase por destino (para quem acredita nessa baboseira) e a partir dali começa uma subsistência ilusória que se baseia na crença de que estamos com quem gostaríamos de estar, tornando assim a privação da liberdade, que começa com um bem intencionado telefonema a cada 30min “apenas para dizer que te amo”, quando na realidade é para sossegar a nossa índole desconfiada, o princípio de tudo, seguindo-se as mudanças de plano de última hora cada vez mais frequentes para se estar mais tempo com ele(a), sem percebermos que nos afastamos cada vez dos nossos amigos e é aí que o namoro começa a tornar-se tão exaustivo quanto um trabalho de uma jornada de 24 horas. 
Ele  possui um escravocrata que acredita merecer um serviçal, que satisfaça suas vontades sociopatas e não pára de exigir provas impossíveis de amor, divertindo-se com as tentativas infrutíferas do seu amante para lhe mostrar que é a pessoa mais importante da sua vida, o que normalmente apenas serve para inflamar a certeza de possessão do fulano apaixonado, que por isso, vive constantemente aquela tensão de uma relação inconveniente e desigual oferecendo ainda assim, assistência incondicional, sem dar-se ao trabalho de pensar o que isso realmente significa para si e a sua própria dignidade muitas vezes perdida entre as promessas de fidelidade e testes de inesgotável paciência, ou de limites absurdamente elásticos, que no desespero para conseguir a aprovação dos seus sentimentos se empenha em provas de confiança obscuras e com resultados improváveis, portanto, é nessa servilidade doentia em que as pessoas apostam uma devoção desconcertante ao amor.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Perguntas ridículas sobre África


Pela milésima vez, alguém perguntou-me: 
- África é um país com muita miséria né?
Fiquei com vontade de gritar: 
- Vai pra puta que o pariu! Mas minha boa educação só permitiu um silencioso: vai à merda, seu energúmeno desinformado! 
Tenho que dizer, cansei-me de pessoas que não se dão ao trabalho de avaliar os sensacionalismos noticiosos que não param de apresentar com um pessimismo doentio e inconsequente acontecimentos corriqueiros, ou que se esforçam em passar imagens completamente ilusórias e desinformadas de realidades que não conhecem, tornando as pessoas cada vez mais quadradas, porque se deixam convencer pelas novelas e programas de audiência que apresentam uma África reduzida à pobreza. 
Para princípio de corrida, é só visitar um mapa para saber que África é um dos cinco continentes (imaginem se fosse muitos mais), não é um grande país, ou uma enorme república ditatorial onde todos falam a mesma língua, habitada principalmente por negros gigantescos, pretos como o breu, pouco instruídos e menos inteligentes, preparados desde crianças para serem atletas que participam de maratonas pelo mundo afora e que ainda precisam do paternalismo ocidental para cuidarem das suas vidas. 
Ninguém tem leões como animais de estimação acorrentados como cachorros no fundo do quintal e os safáris não fazem parte do nosso quotidiano, aliás, nem são áreas  residenciais, mas reservas naturais que servem para a proteção dos animais e como recurso turístico e não um campo de férias. Por isso, não temos um único presidente nem uma cultura africana homogênea, somos um mosaico étnico-cultural e linguístico de nações (leia-se países) diferentes e autônomas com línguas oficiais e constituições próprias. E se alguém viveu em árvores, deve ter sido muito antes de termos ocupado o continente. Hoje, partilhamos e usufruímos das mesmas revoluções tecnológicas que o resto do mundo. Temos os mesmos problemas políticos, econômicos e sociais, que qualquer outro país e mantemos a nossa soberania muito bem obrigado! 

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Malditos otimistas


Nada pior do que um otimista. Digo isso porque já fui um e até pouco tempo, tive vários amigos que o eram. Eu não sabia quão difícil é entender como aquele sorriso constante e aquela áurea aparentemente inesgotável de positividade às vezes é irritante. Algumas pessoas talvez não tenham parado para pensar no fato de que existem momentos em que gostaríamos de ser pessimistas, de nos esgotarmos com sonhos e premonições assustadoras sobre nossa vida profissional, emocional e social, sem que venha o safado do otimista para nos mostrar como a vida é bela e como nos esquecemos com frequência de aproveitarmos os pequenos milagres como o simples respirar, ou de absorver as positividades cósmicas que proliferam no ar. Quando depois de uma corrida desenfreada para pegar o ônibus, tropeçamos e ainda assim não conseguimos pegá-lo, sendo obrigados a engolir a vergonha e a poeira que nos sobrou da queda despropositada, nos achamos no direito de praguejar, antecipando-se às outras possíveis desgraças do dia; e lá vem mais um otimista qualquer, lembrando-te quanta sorte tiveste em não ter quebrado a perna na queda e que talvez, não ter entrado naquele ônibus tenha sido uma providência divina. Claro que ao ouvir isso tens todo o direito de engendrar de forma silenciosa, é claro, um plano para esganar o camarada, ou ao menos podes torcer para que ele se engasgue em algum canto de seu otimismo tirânico, o que te faz gastar um tempo desnecessário e talvez faça com que te atrases ao serviço, sabendo que vais ser por isso, obrigado a trabalhar em cima de uma falta , que o déspota do seu chefe não aceita justificar. Começas então a maldizer o desconto no salário, que na certa vais sofrer, aproveitando dessa forma, mais uma vez, o direito de barganhar; antes daquele sorriso anarquista, que tenta te convencer que a vida é feita de altos e baixos e talvez o chefe seja bonzinho a ponto de esquecer isso e nem te descontar; e como se não bastasse, ainda vem aquele conselho obrigatoriamente otimista: “faça uma cara mais alegre”. Isso faz-nos perceber que aos poucos vai-se tornando cada vez mais difícil ser pessimista e isso vai criando um aperto por dentro, deixando-nos tristes e cabisbaixos, quando oportunisticamente aparece alguém disposto a tirar-nos o gozo de parecer um coitadinho, recebes uma, duas, três palmadinhas amigáveis nas  costas e um irritante: a vida é mesmo assim, mas é preciso pensar positivo”. Nessa altura normalmente já se tornou insuportável respirar o mesmo ar que essa gente e para não sufocar, eu procuro desesperadamente alguém que não seja tão irritantemente otimista.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

A filosofia dos legumes


Meu amigo que gosta de inventar conjecturas disparatadas para falar sobre as coisas que acontecem conosco, apareceu-me recentemente, com a filosofia dos legumes, uma ideia engraçada, mas interessante. Comparou a nossa vida a um prato de comida e lembrou-me que muitas vezes, enquanto crianças fazíamos a nossa revolução no prato. Claro que fiquei confuso. Ele percebeu pela minha cara de peixe estragado e explicou didaticamente o que pensava, começando por me lembrar como as crianças, geralmente têm problemas com os legumes, elas não gostam e só comem por causa da ditadura das mães, ou da corrupção dos pais. Mesmo assim, elas sempre calmas e tentando fazer o menor alarde, separam no próprio prato o repolho, a cenoura, o espinafre, o tomate, etc., fazendo sua revolução silenciosa, separando o que gostam, do que não gostam, sem discursos inflamados de indignação, ou gritos fanáticos contra quem cozinhou. Elas entendiam  que é um vício frequente condimentar a comida com aquelas especiarias e por esta razão não havia muito a fazer senão esperar ter a oportunidade para separar o que realmente lhe interessava. Por isso, segundo o meu amigo, devíamos aprender com as crianças e ao invés de passarmos a vida a gritar histericamente por quase tudo e até por aquelas coisas, que mesmo mudando não influenciariam ou influenciariam muito pouco nossas vidas, talvez fosse mais inteligente passar a separar (silenciosamente) os legumes da nossa vida, em silêncio, sem aquele alarde costumeiro,  que na maioria das vezes apenas serve para chamar atenção da cozinheira tirana.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Para que servem as guerras - Parte I


Eu cresci em meio a um país em que o melhor que se sabia fazer era guerrear. Os meninos eram mandados para a morte às vezes antes mesmo dos 18 anos, apenas precisavam para isso de parecerem capazes de segurar uma arma. Quando isto não acontecia por meio de leis compulsórias dava-se por desaparecimentos inexplicáveis. Ser menina era uma benção, porque rapazes eram sequestrados para incorporarem grupos militares, aprendendo de maneira nada didática, como era ter o poder de uma AK-M nas mãos. 
Naquela altura, os pais se desfaziam em tristeza, cientes de que só por milagre voltariam a ver os seus filhos. A maioria se conformava com a ideia de que nem o direito de enterrá-los teriam. Na escola e pelos órgãos de comunicação, ensinava-se, que a guerra servia para libertar os povos oprimidos e injustiçados, tinha sido assim nas 2 guerras mundiais com as paradoxalmente chamadas de guerras justas, ou guerras de libertação. Na sequência, os parentes matavam uns aos outros, apenas porque tinham sido raptados por lados opostos. Para não cederem ao peso de consciência, despersonalizavam os adversários, bestializavam-nos, era mais fácil assim. Ninguém mais idealizava estar a cravar uma bala num semelhante, em vez disso, imaginavam forçosamente, que estavam apenas a expurgar o mal, que estava acantonado do outro lado do rio. 
Terminou a guerra e as bestas tiveram a oportunidade de se encontrarem, olharam uns nos olhos dos outros e perceberam que tinham sido enganados, que na verdade guerreavam contra si mesmos, que dizimaram as suas próprias famílias, mas também não era possível ressuscitar os que foram, “bola pra frente”. Decidiram reunir-se e reorganizar o presente, pôr de parte o passado, porque ninguém tinha sido perfeito, mas aqui, novo obstáculo. Alguns tinham-se tornado maiores e já não pretendiam respeitar os que se enfraqueceram devido ao conflito. Escamotearam a vontade de mudança dos derrotados no campo de batalha e sobrepuseram-se com uma maioria suspeita ou assustada por declarações obscuras, tornadas públicas de propósito. E se antes não entendia para que servia a guerra, agora vejo claramente: para garantir a legitimação de uma hegemonia fabricada por fatos favoravelmente encaixados aos anseios de um povo, que convenientemente, parece não ter memória!

terça-feira, 13 de março de 2012

A pobreza está no meio


Embriagado pela minha mediocridade, passeava pelos canais da TV, quando vi pela milésima vez, pessoas discutindo, como os programas de luta contra pobreza são a solução para a maioria pobre, pessoas, que nada têm e por medo ou vergonha de darem uma visibilidade politicamente incorreta à sua miséria, escondem-se por detrás de eufemismos obtusos como: classe média, grupos desfavorecidos, massa populacional, pessoas carentes, etc., que refletem tudo menos a dificuldade em realizarem as suas necessidades básicas, aliás, satisfazê-las é para eles um privilégio, que não passa de um sonho impossível de se realizar.
Como sempre acontece nestes debates, polarizam-se os extremos, primeiro os defensores, com argumentos que tentavam ganhar a simpatia dos telespectadores entre um certo e verdadeiro obscuramente conveniente, como se a verdade fosse um trunfo dos que tinham criado as tais políticas públicas, que de públicas tinham muito pouco, pois, todas as coisas importantes sobre o funcionamento dos mesmos programas, se mantinham envoltas em um secretismo incompreensível, dando a impressão de existir uma cabala enrustida em algo vagamente transparente e democrático. A seguir, apareciam os da oposição, que levantavam-se contra as coisas que cheiravam a controle social e demonstravam uma necessidade quase obsessiva de criticar sem oferecer qualquer saída, pois entendiam, que seu dever patriótico era problematizar até à própria necessidade de respirar. Eles tentavam mostrar como os pobres não precisam de esmolas, mas de oportunidades concretas, que não estivessem disfarçadas de estratégias políticas apenas para garantir uma gratidão manipulada pelo usufruto de direitos merecidos por lei. Eles sempre terminavam os seus argumentos com palavras de ordem contundentes e chamavam os adversários de fascistas, cérebros formatados e ignorantes estruturais, sem capacidade de analisar os motivos ocultos por detrás dos programas que publicitavam, até porque a idéia de pessoa desfavorecida já era um grande crime de segregação, algo reprovado pelos construtores dos paradigmas heurísticos mais importantes da ciência. Por último, se faziam representar aqueles, que como Aristóteles, preferiam acreditar, que a virtude está no meio e a única maneira razoável de se colocar diante de uma questão tão polêmica, quanto essa, era a neutralidade. E eu, que não tinha ainda nenhuma opinião a respeito. Concordei e me acobardei com Aristóteles e esperei que chegassem a algum consenso, porque enquanto se discutia, a miséria se reproduzia.

Medíocre até na ignorância

Chamaram-me: mente medíocre, não entendi e por isso não me ofendi, sabia com certeza, que não era um cumprimento, mas nunca o tinha ouvido antes e achei que era um insulto não tão insultuoso, na verdade, até gostei de ouvi-lo e passei a repeti-lo várias vezes para outras pessoas, usava-o principalmente, porque me parecia estiloso e chique chamar alguma pessoa  de “mente medíocre”. Ia ao banco e quando alguém se infiltrava na fila, eu tinha o insulto ideal; se a atendente fosse mal educada, não precisava de me zangar, apenas usava a expressão e dava as costas, até no trânsito, lugar de ninguém e famoso pela abertura e à-vontade com que as pessoas costumam a usar palavrões. Mudei de atitude, já não precisava de gritar aquele deselegante filho-da-puta e dizia simplesmente: mente medíocre, quase como se estivesse a recitar uma poesia, porque era assim que ele me soava, poético. Na maioria das vezes, isso cortava o ironicamente mal-educado e ainda mais irritante, “igualmente, obrigado”. Em vez disso, os motoristas se imobilizavam linguisticamente, tentando processar o que tinham acabado de ouvir e enquanto o seu cérebro se descongelava, o sinal tinha apagado, a fila tinha avançado e eu já havia vazado, provavelmente se babavam de raiva, porque não existia xingamento que chegava à altura do meu. Para quem não sabe, Já é muito difícil responder à altura a um termo xulo, quanto mais a algo tão elaborado. Mas a minha alegria não durou tanto quanto eu gostaria. Certo dia meti-me no engarrafamento e fui furando clandestinamente pelo lado direito da fila (dando mbaias), quando um dos motoristas propositadamente me corta o caminho, indignado, usei a fórmula: mente medíocre! Desta vez gritei o Maximo que pôde, para fazê-lo sentir-se ainda pior, mas em vez do silêncio costumeiro ouvi: despenteado mental! Nem o meu insulto gerou alguma vez, tanta gargalhada, quis retribuir, mas o sinal tinha apagado, a fila avançou mais rápido do que o costume e eu entendi finalmente, porquê me chamaram “mente medíocre”.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Heróis


Provavelmente algumas pessoas se questionam, sobre a razão de  tantos problemas sociais e frustrações pessoais. Para mim, apenas significa que precisamos de novos heróis, porque aqueles em que acreditávamos e nos faziam dormir o sono despreocupado de cadáveres, morreram! Ao termos decidido procurá-los nos lugares errados, ao perdermos a esperança e a vontade de mantê-los vivos, afinal, nós lhes dávamos vida em nossos sonhos disparatados de criança, antes de cometermos o erro de “crescer”.
Passamos a procurar mais longe, deixando de escolhê-los entre as pessoas do nosso quotidiano, dentre aquelas que faziam coisas aparentemente simples, mas sobre humanas e aguentavam pacientes nossas birra e paranóias, com sorrisos  compreensivos diante dos nossos acessos de rebeldia desnecessária e não desistindo de se sentirem pais, condicionados por um amor quase nunca recompensado ou reconhecido, continuando a resolver os nossos problemas a despeito de tudo e arranjando justificações para os nossos piores erros, poupando-nos pelo máximo tempo possível de assumir responsabilidades.
Eles são, por isso, os nossos verdadeiros heróis, ainda que nos tenhamos desacostumado a invocá-los e a reconhecê-los. Pensamos em nós próprios como super-humanos, matando as nossas antes saudáveis utopias, destruindo voluntariamente aquela antiga vontade de experimentar uma vida descompromissada com tudo o que não fizesse parte de nossa natureza. Abraçamos um progresso muitas vezes destrutivo e destituído de subjetividade e depois choramos, nos perguntando hipocritamente, para onde foram nossos heróis? Aqueles que negligenciamos por orgulho de uma auto-suficiência confusa e desnecessária, ou por uma  vaidade doentia e narcísica. 

domingo, 22 de janeiro de 2012

Genialidade emprestada


Um amigo disse-me uma vez que “nada impõe mais limitações a um homem do que a falta de dinheiro”. Esta é uma daquelas frases, que você reluta em atribuir a alguma pessoa viva, sobretudo se for alguém próximo, afinal, nada é mais difícil de aceitar do que a genialidade de um ente querido, principalmente se ainda polui a atmosfera contigo, nos almoços familiares e bebedeiras de fim de semana.
A frase apanhou-me desprevenido, por isso fiquei com aquele semblante de novato em praia de nudismo, que não pode admitir a própria ereção por questões de princípios e não se masturba nem mentalmente, com medo de ser descoberto.
Ao me recuperar, pensei: talvez sim, principalmente  numa sociedade capitalista, porque numa socialista, as coisas seriam diferentes. Infelizmente vivemos numa, ou em várias sociedades capitalistas, onde quem não pode comprar, normalmente não pode muitas  outras coisas e dificilmente pode dar-se ao luxo de filosofar sobre a vida, pois não lhe sobra muito tempo entre as longas e fastidiosas jornadas de trabalho.
Quando chega o final de semana, a única reflexão que faz algum sentido para ele é: a que horas é o jogo? Isso quando o peso de consciência não lhe obrigar a dar atenção à família, oferecendo possibilidades de diversão  altamente criativas, (devido a falta de recursos), porque infelizmente, aquelas jornadas semanais pouco oferecem, além de uma identidade trabalhadora precária, uma satisfação ilusória, e uma dignidade mal informada, secularizada por essa tradição que não desconfia da necessidade doentia de trabalhar apenas para pagar contas, uma refinada forma trabalho forçado, que esconde obrigações artificiais, criadas propositadamente para manter o cidadão com aquele sorriso  de dever cumprido, característico da classe “trabalhadora”, que se orgulha de estar a construir uma sociedade pretensiosamente melhor, à custa de uma dignidade alienada.
Depois de todas essas idéias disparatadas, eu cheguei a minha própria conclusão, talvez o problema nem seja a falta de dinheiro, mas a falta de tempo para pensar na própria condição de vida e a ignorância. Mas pode ser que não ter dinheiro também obrigue as pessoas a se manterem ignorantes, o meu amigo teria dito algo sobre isso.