segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Por uma psicologia descolonizada*

Hoje admitimos que os conhecimentos que circulam entre as ciências humanas em geral e a Psicologia em particular, são o resultado de uma articulação secular dos discursos coloniais, decorrentes do expansionismo do imperialismo ocidental europeu e norte-americano, contudo, embora o colonialismo tenha caído, constatamos ainda que o modo de produção do conhecimento “Psi” não mudou tanto quando se esperava, pois vivemos diante daquilo que conhecemos por colonialidade do saber.
         A Psicologia, filha legítima deste regime que oprimiu e explorou povos pelo mundo afora nasce, portanto, do imperialismo sob preconceitos raciais que justificavam a conquista, ocupação e a imposição de sistemas administrativos e culturais ocidentais aos povos não-ocidentais.
         Por essa razão é impossível não nos preocuparmos diante da constatação de que parece persistir certo fetiche por parte de alguns psicólogos por práticas que reproduzem processos de colonização dos “outros”, por meio, da categorização, discriminação, ou mesmo da objetificação e subalternização de todos aqueles que aos olhos dessa psicologia, que persiste em ser colonizadora são considerados anormais, desviantes, ou seres de terceira classe (negros, homossexuais, mulheres, idosos, pessoas com necessidades especiais, usuários de saúde mental, entre outros).  
         Não podemos negar que a falência dos impérios coloniais, ofereceu-nos novos espaços e oportunidades para questionar o regime de pensamento que orientava hegemonicamente a forma de ver e explicar o mundo, porém precisamos continuar fazendo algumas perguntas incômodas para a nossa profissão, tais como:

“O que fazer com o conhecimento produzido por essa Psicologia colonizadora, que reproduz uma relação desigual entre os povos, ou mesmo entre psicólogo e os agentes para os quais se dirige o seu trabalho?”
        *
“Até que ponto nossas práticas “psi”, não passam  de meros meios de controle social ao serviço de certas elites?”

         Apesar de nos discursos contemporâneos se sustentar a urgência de uma psicologia crítica, ainda é gritante a ausência de uma reflexão “efetivamente crítica” a respeito das desigualdades sociais e das assimetrias herdadas dos processos de colonização e a implicação na relação dos psicólogos com a sua comunidade local.
         Não se trata de jogar fora todo o conhecimento adquirido (o bebé junto com a água do banho), mas de olhar para ele como realmente é:

“Produto de uma história de opressão”

         Como é fácil imaginar não existem caminhos ou fórmulas prontas, mas felizmente, infinitas possibilidades.
        
“Descolonizar a psicologia pode ser uma delas”
        
         A descolonização a que me refiro diz respeito não apenas à independência de países colonizados, mas ao desmame de uma matriz de pensamento que se guia pela conquista, ocupação, usurpação e imposição de saberes e práticas de uns (especialistas/profissionais/ “os mestres”)    sobre os outros (usuários de certos serviços, clientes, alunos, etc.)
         Começando por me desculpar se parecer pretensioso demais, gostaria de sugerir ao menos dois caminhos para reflexão: (1) A urgência de questionamentos com o mínimo de honestidade acadêmica sobre como usar tal conhecimento de forma que não seja tão ofensivo/opressivo quanto a maneira como o mesmo foi produzido (destruindo culturas) e (2) a necessidade de descolonizar a psicologia, reinventando os mecanismos de produção de conhecimento, por meio de um saber que emerge da partilha entre o que chamamos presunçosamente de senso comum e o que denominamos de ciência e muito menos da vontade de estabelecer um saber/poder (único) sobre o “outro”.
         Claro que tal crítica não seria válida se tomássemos de novo como verdade este  conhecimento (supostamente descolonizado), para tal, precisamos admitir que ele seria quando muito um saber localizado e não mais universal como se queria na ciência ocidentalizada. Admitindo que estaríamos produzindo um saber limitado, reconhecer-se-ia que o conhecimento universal é um delírio perigoso, mas essencialmente que há muitos outros saberes que precisam ser levados em conta.

Referências
Go, J. (2013). Postcolonial Sociology. Boston: Emerald Group Publishing.
Grosfoguel, R. (2008). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista Crítica de Ciências Sociais, (80), 115–147.

Hook, D. (2005). A Critical Psychology of the Postcolonial. Theory & Psychology, 15(4), 475–503. 

* Este texto é uma republicação, do que foi apresentado originalmente e muito gratamente no blog: Psicologia marginal (http://psicologiamarginal.blogspot.com.br/2016/09/por-uma-psicologia-descolonizada_12.html).