Hoje admitimos que os
conhecimentos que circulam entre as ciências humanas em geral e a Psicologia em
particular, são o resultado de uma articulação secular dos discursos coloniais,
decorrentes do expansionismo do imperialismo ocidental europeu e
norte-americano, contudo, embora o colonialismo tenha caído, constatamos ainda
que o modo de produção do conhecimento “Psi” não mudou tanto quando se esperava,
pois vivemos diante daquilo que conhecemos por colonialidade do saber.
A Psicologia, filha legítima deste
regime que oprimiu e explorou povos pelo mundo afora nasce, portanto, do imperialismo
sob preconceitos raciais que justificavam a conquista, ocupação e a imposição
de sistemas administrativos e culturais ocidentais aos povos não-ocidentais.
Por essa razão é impossível não nos
preocuparmos diante da constatação de que parece persistir certo fetiche por
parte de alguns psicólogos por práticas que reproduzem processos de colonização
dos “outros”, por meio, da categorização, discriminação, ou mesmo da
objetificação e subalternização de todos aqueles que aos olhos dessa psicologia,
que persiste em ser colonizadora são considerados anormais, desviantes, ou seres
de terceira classe (negros, homossexuais, mulheres, idosos, pessoas com
necessidades especiais, usuários de saúde mental, entre outros).
Não podemos negar que a falência dos
impérios coloniais, ofereceu-nos novos espaços e oportunidades para questionar
o regime de pensamento que orientava hegemonicamente a forma de ver e explicar
o mundo, porém precisamos continuar fazendo algumas perguntas incômodas para a
nossa profissão, tais como:
“O
que fazer com o conhecimento produzido por essa Psicologia colonizadora, que
reproduz uma relação desigual entre os povos, ou mesmo entre psicólogo e os
agentes para os quais se dirige o seu trabalho?”
*
“Até
que ponto nossas práticas “psi”, não passam
de meros meios de controle social ao serviço de certas elites?”
Apesar de nos discursos contemporâneos
se sustentar a urgência de uma psicologia crítica, ainda é gritante a ausência
de uma reflexão “efetivamente crítica” a respeito das desigualdades sociais e
das assimetrias herdadas dos processos de colonização e a implicação na relação
dos psicólogos com a sua comunidade local.
Não se trata de jogar fora todo o
conhecimento adquirido (o bebé junto com a água do banho), mas de olhar para
ele como realmente é:
“Produto
de uma história de opressão”
Como é fácil imaginar não existem
caminhos ou fórmulas prontas, mas felizmente, infinitas possibilidades.
“Descolonizar
a psicologia pode ser uma delas”
A descolonização a que me refiro diz
respeito não apenas à independência de países colonizados, mas ao desmame de
uma matriz de pensamento que se guia pela conquista, ocupação, usurpação e
imposição de saberes e práticas de uns (especialistas/profissionais/ “os
mestres”) sobre os outros (usuários de
certos serviços, clientes, alunos, etc.)
Começando por me desculpar se parecer
pretensioso demais, gostaria de sugerir ao menos dois caminhos para reflexão: (1)
A urgência de questionamentos com o mínimo de honestidade acadêmica sobre como
usar tal conhecimento de forma que não seja tão ofensivo/opressivo quanto a
maneira como o mesmo foi produzido (destruindo culturas) e (2) a necessidade de
descolonizar a psicologia, reinventando os mecanismos de produção de
conhecimento, por meio de um saber que emerge da partilha entre o que chamamos
presunçosamente de senso comum e o que denominamos de ciência e muito menos da
vontade de estabelecer um saber/poder (único) sobre o “outro”.
Claro que tal crítica não seria válida
se tomássemos de novo como verdade este
conhecimento (supostamente descolonizado), para tal, precisamos admitir
que ele seria quando muito um saber localizado e não mais universal como se
queria na ciência ocidentalizada. Admitindo que estaríamos produzindo um saber limitado,
reconhecer-se-ia que o conhecimento universal é um delírio perigoso, mas
essencialmente que há muitos outros saberes que precisam ser levados em conta.
Referências
Go,
J. (2013). Postcolonial Sociology. Boston: Emerald Group Publishing.
Grosfoguel, R. (2008). Para
descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais:
Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Revista
Crítica de Ciências Sociais, (80), 115–147.
Hook, D. (2005). A Critical Psychology of the
Postcolonial. Theory & Psychology, 15(4), 475–503.
* Este texto é uma republicação, do que foi apresentado originalmente e muito gratamente no blog: Psicologia marginal (http://psicologiamarginal.blogspot.com.br/2016/09/por-uma-psicologia-descolonizada_12.html).