María Villarreal
Doutoranda do curso de Ciência Política na Universidade Complutense de
Madrid
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Refletir e pensar sobre a nossa história pessoal e
coletiva, implica problematizar e questionar as aparências. Nesse sentido, o que
somos hoje nós as mulheres, as nossas conquistas e reivindicações, têm a ver com
o nosso passado ou é simplesmente fruto do acaso ou das concessões de alguém? A
resposta parece óbvia, mas não é. Em relação aos direitos e condições do gênero
feminino, a história oficial apresenta uma versão dos fatos que nos induz a ver
como algo garantido desde sempre o acesso ao estudo, ao voto, e a outros
direitos, tipo escolher como e com quem queremos viver, ou mesmo, uma
maternidade desejada. Lamentavelmente alguns desses direitos ainda são um ideal
para boa parte da população feminina, mas ao mesmo tempo, constituem um
patrimônio de incalculável valor para uma parcela significativa de mulheres apesar
das dificuldades e questionamentos contínuos.
A minha e a história de todas nós mulheres é a soma de lutas,
reclamações e demandas expressadas de forma individual e coletiva; tradicionalmente
ridiculizadas e reprimidas duramente por quem controla o poder e define os bons
e os maus costumes das épocas. Até antes do surgimento oficial do feminismo
como heterogeneidade de movimentos e posturas que reivindicam a libertação, a
dignidade e o respeito dos direitos das mulheres enquanto seres humanos, houve
pessoas (mulheres principalmente, mas também homens) que se manifestaram a
favor da nossa causa, pedindo o acesso à educação, afirmando a igualdade entre
homens e mulheres, demonstrando a existência de problemas aparentemente
“invisíveis” ou trabalhando para erradicar a violência que ameaça as nossas
vidas. Hoje, relembrando toda essa história é preciso reconhecer o valor e a coragem
de todas essas pessoas e dizer: OBRIGADA. Parte do que somos e temos atualmente
é graças a el@s, e neste sentido, honrar a sua memória implica conhecer a
história da luta pelos nossos direitos e contribuir a valorizar essa herança,
defendendo aquilo que nos pertence por valor e dignidade.
A este respeito, campanhas recentes como #PrimeiroAssédio ou #MeuAmigoSecreto problematizaram vivências quotidianas e comportamentos machistas e
intolerantes, muitas vezes naturalizados, considerados secundários, pouco
importantes ou parte da nossa cultura. Essas campanhas são mais do que
bem-vindas. Elas constituem um ato de presença e um chamado de atenção que nos
permite parar para pensar que o sonho de construir uma sociedade mais justa
ainda não acabou. As formas de discriminação e violência continuam existindo para
nós mulheres e se agravam quando falamos de mulheres negras, lésbicas, bi ou
transexuais. Por outro lado, o recente projeto de lei 5069, de autoria do
presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha do PMDB constitui um atentado
aos nossos direitos, criminalizando a opção das mulheres de interromper a
própria gravidez em casos legalmente reconhecidos e prevendo penas para quem
induz, instiga ou auxilia as mulheres nesse processo. Mais uma vez a reação dos
movimentos de mulheres foi significativa e sob o lema “Pílula fica, Cunha sai”, milhares de mulheres em diversas cidades
do Brasil saíram às ruas para manifestar o próprio desacordo com a proposta e a
necessidade de preservar os seus direitos. Através deste tipo de ações e da nossa afirmação cotidiana, todas nós
somos e podemos ser forças vivas e ativas de mudança social. O trabalho pela
vida plena e os direitos de todas ainda não acabou e em nome de quem doou as
suas vidas e energias para nos permitir ser pessoas integrais, precisamos dar
continuidade à utopia, ajudando a fazer desse mundo um lugar mais justo e
melhor para tod@s.