sábado, 29 de dezembro de 2018

Que 2019 seja o ano da rebeldia (Elogio à rebeldia)

Para nós angolanos, estudar já foi em tempos “um dever revolucionário”, hoje, infelizmente não passa de uma simples questão de sobrevivência. Os jovens vão à escola para gastarem o seu tempo, enquanto ainda não se tornaram alcoólatras, marginais, ou meninas engravidadas e transformadas em sem-futuro, enquanto esperam na estação do futuro incerto, como aquele personagem do poema de Fridolim Kamulacamwe a quem disseram  "que nunca seria alguém, e que balançaria nas barbas de satanás".
Este pequeno trecho do texto de Fridolim representa a triste realidade de milhares de jovens e estudantes pobres de Angola. Jovens que são obrigados a lidar com inúmeros problemas alguns dos quais totalmente injustificáveis, tais como falta de materiais nas escolas, um sistema educacional que só serve para obstaculizar o seu crescimento, professores sem paixão e/ou reaccionários, um estado que os descarta de maneira sintomática e às vezes abjecta, além de outros como a falta de confiança nas suas próprias potencialidades intelectuais, as mentiras contatadas como se fossem factos científicos, as explicações falsas ou superficiais aos problemas sociais que (n)os atingem, as humilhações e insultos decorrentes da situação sócio-econômica das suas famílias, etc., coisas que na verdade fazem as vidas destes angolanos e angolanas parecerem ainda piores que a do personagem da poesia do maravilhoso Fridolim.
Os que entram para o ensino superior, ou melhor, para as adversidades superiores sofrem com a [nossa] arrogância de professores universitários, supostos donos de um saber que cheira à esturro e que recorre à enganosos ardis para sustentar a supremacia do conhecimento científico sobre tudo o resto, a sapiência ilusória dos docentes, e a pseudo-objectividade panfletária dos nunca-pesquisadores que somos.
Com tantos problemas, fica a questão para todos nós, mas sobretudo para os  nossos jovens.

"Mas o que fazer diante dessa realidade massacrante e aparentemente infértil? Como reagir ante as humilhações, a falta de perspectiva o aumento dos problemas, mais do que a emergência de soluções?"

Vamos baixar as orelhas como os burros domesticados e calar-nos, ou vamos receber as bofas (bofetadas) diárias dessa vida miserável e [religiosamente] dar a outra face?
Vamos ser mansos, ou rebeldes?
Como fomos domesticados com a mentira de que os mansos herdarão a terra, talvez sejamos tentados a responder simplesmente como gado e massa de manobra... Na verdade não há como saber, de que forma cada um de nós deve ou vai reagir, mas a forma como vamos reagir vai mostrar de que somos feitos.                   
Quanto à mim, minha proposta é que optemos pela rebeldia!
Sejamos rebeldes, porque a rebeldia é energia, força, criatividade e novidade. É possibilidade de transformação e revolução!
Sejamos rebeldes para criaremos coisas novas, para revolucionaremos as nossas casas, nossas cidades, o nosso país e o mundo;
Sejamos rebeldes para termos a oportunidade de construirmos um país diferente, mais justo e menos desigual;
Sejamos rebeldes para evitaremos que os políticos continuem a governar-nos como se o país fosse uma empresa privada e não um bem público;
Sejamos rebeldes para que possamos viver vidas menos desgraçadas que nossos avôs e nossos pais;
Sejamos rebeldes transformando nossas escolas e universidades no motor de todas revoluções que desejamos, sejam elas políticas, econômicas, culturais, religiosas, tecnologias e até mesmo afetivas;
Vamos optar pela rebeldia para sermos capazes de transpor as paredes do formalismo educacional que nos estupidifica em vez de servir para aguçar nossas capacidades intelectuais;
E vamos aproveitar essa viagem a que chamamos vida para transformar a aprendizagem num modo de existência sem limites e que deixe livre nossa rebeldia.

Vamos à escola da vida com vontade de mudar o mundo à nossa volta e vamos fazer da nossa vida, um exercício de rebeldia!


segunda-feira, 24 de setembro de 2018

A crítica é a nova forma de bajulação

A nova forma de bajulação em Angola tem cara de crítica, porém é tem cara de crítica, porém é superficial, mentirosa e hipócrita. Mas antes que me bajulem (leia-se, critiquem), deixa-me explicar o que quero dizer.
Como sabemos, o ser humano é extraordinário por vários motivos e um deles é com certeza a sua grande capacidade de criar. Inventamos e reinventamos coisas todos os dias, na forma de realizar as várias tarefas do nosso quotidiano para libertarmo-nos do tédio e da mórbida monotonia que muitas vezes representam as nossas míseras vidas. Essa capacidade inventiva não tem fronteiras e envolve-nos também às nós mwangolés, que de facto não fugimos à regra, pois somos tão inventivos que às vezes o que nos falta é apenas tempo para filtrarmos tanta criatividade na arte, na forma de sobreviver às agrudas da vida e também na forma de continuar formas antigas de sobrevivência apenas com cara de roupa nova. Neste sentido, a mais recente novidade é a crítica como nova forma de bajulação.
À vista da morte do antigo “rei”, as pessoas começaram a mexer-se desconfortáveis nas suas cadeiras e a pensarem em como enfrentar a nova realidade política, ou como manterem-se a flutuar no rio das benesses a que estavam acostumadas.
Já Havia o prenúncio de que as armas antigas cairiam forçosamente em desuso, tornar-se-iam absoletas e quem ousasse continuar usá-las corria o risco de ser estigmatizado e transformado em uma espécie de pária, tal como ocorria antes com quem se atravesse a criticar.
As soluções começaram a chegar timidamente por meio daqueles que antes se haviam sacralizado como arautos da bajulação.
Primeiro substituindo seus antigos discursos hipocritamente elogiosos por formas mais suaves e menos comprometedoras, testando um “mas, ou um porém” nos interstícios da sua hipocrisia, criando a falsa ideia de ponderação e equilíbrio discursivo. E também, é claro, para que a mudança não parecesse brusca.
A seguir passaram a concordar com as críticas antes feitas, mas apenas com aquelas mais refinadas, que não diziam nomes e que perdiam-se facilmente em discursos generalizantes que jogavam toda a culpa da corrupção, miséria, falta de transparência, falta de medicamentos, educação precária, etc. num passado órfão de protagonistas reais. Valia criticar, mas ainda não valia apontar dedos à ninguém fingindo uma tentativa falsamente humilde de salvaguardar a honra de quem a havia perdido há muito tempo.
De especialistas em defender o indefensável passaram à “cientistas” dos projectos que custaram caro, mas saíram tortos. Magicamente a sua memória recobrou prodigiosa servindo para apontar inconsistências de projectos que antes defendiam como obras extraordinárias e visionárias.
Descobriram por um golpe de um suspeito cientificismo que afinal a nossa educação não era mesmo lá grande coisa, que a função pública estava cheia de vícios, que não havia transparência na gestão pública, que afinal tínhamos mesmos muitos e sérios problemas sociais. Alguns mais corajosos, ou mais descaradamente hipócritas deram às caras para contar as antigas falcatruas e como se tinham batido contra tudo isso, mas esquecendo-se de propósito de contar como se tinham beneficiado com tais esquemas.
Outros lembraram-se que desde sempre tinham tido posições críticas e que sempre as assumiram “corajosamente” entre as quatro paredes dos seus quartos.
Muitos deles logo destronaram aqueles que o povo sempre viu como críticos do sistema, enquanto outros se escondiam. A concorrência  se tornou desleal e os antigos e verdadeiros críticos inteligentemente recolheram-se para não serem confundidos com essa nova geração de bajuladores, que fazem da crítica fajuta, superficial e generalizante sua nova arma, compreendendo que apenas se reeditava a lição aprendida na transformação dos nossos discursos na queda do “P” de popular. Quando magicamente substituímos os discursos socialistas por jargões mal compreendidos disfarçados de idéias democráticas.
A crítica é a nova forma de bajulação e engana-se quem pensa que é a tão esperada demonstração de inteligência de uma certa elite intelectual angolana.

E quanto à este texto, talvez não seja nada mais do que uma obra de um bajú que quer apenas parecer diferente...

domingo, 3 de junho de 2018

Em Angola a polícia mata e o cidadão festeja

Na minha opinião esta seria uma forma de se deveria noticiar o caso do assassinato em que envolveu-se o agente dos Serviços de Investigação Criminal (SIC).
Para pensarmos sobre isso convido o leitor a acompanhar-me numa tentativa de reflexão sobre alguns dos vários aspectos que encerra a questão. Mas começo por avisar que a digressão necessária não é tão simples quanto pode parecer!

   1. Para ser considerada culpada, a pessoa tem antes que ser julgada e condenada, não esqueçamos que a nossa lei prevê a presunção de inocência.
     
    2. Há um problema sério no facto de um assassinato com 5 tiros à queima roupa estar a ser tratado com uma espécie de entusiasmo felicitante por nós. Afinal estamos a festejar a morte de alguém como se tivéssemos apanhado dinheiro. Ainda que como se diga haver a suspeita de preparação para o cometimento de um crime, o vídeo gravado mostra que no momento da execução o jovem estava imobilizado no chão e já não constituía, portanto, ameaça para ninguém e muito menos para um agente armado.
   
   3. A exultação da população manifesta nas redes sociais, pode ser compreendida pela crescente percepção do aumento da violência, levando-as a cair na armadilha de aceitar soluções rasas e superficiais como o assassinato, sem avaliar outros elementos produtores dessa sensação de insegurança, ou seja, sem olhar para as questões de fundo e sem procurar soluções mais cuidadosas e sobretudo sem pensar nas implicações de uma polícia matadora.

     4.   Fica invisibilizado nessa alegria momentânea  que no fundo o que se está a fazer é permitir à polícia actuar de maneira abusiva  não somente contra aqueles que tenham supostamente cometido algum acto criminoso, mas sobre qualquer cidadão que tenha o azar de se deparar com a imposição de acções violentas da polícia em situações que muitas vezes não representam perigo real para o agente.

Quanto à execução, ainda é preciso dizer como alguns veículos já lembraram, que essa é uma prática normal dos nossos agentes PÚBLICOS de segurança e o jornalista Rafael Marques o demonstra em seu extenso Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, que cobre os anos de 2016 e 2017.
Deste modo, quando festejarmos novamente a EXECUÇÃO de um suposto marginal, lembremo-nos que esse modo de funcionamento não é apenas extensivo aos supostos marginais e mais rápido de que se imagina há de atingir qualquer um de nós. 

Intertexto
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro

Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário

 Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável

Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei

Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.


sexta-feira, 25 de maio de 2018

O dia de África e a nossa falta de vergonha


Confesso que eu até me tinha esquecido que ontem era o dia D’África. Mas esta amnésia durou pouco tempo. Ao chegar ao campus pela manhã para dar as minhas aulas, encontrei uma universidade extremamente colorida. Os panos do Congo e as Samakakas, embelezavam o pátio e misturavam-se ao verde das plantas que ainda teimam pelo campus.
Vi mas não me ocorreu na altura, que tivesse a ver com a data. Então ao entrar para a sala perguntei aos alunos o motivo do colorido. Os alunos riram-se da minha amnésia e responderam em coro:
- Dia da África professor!
Lembrei-me então, que nas vésperas ouvi comentarem em casa que a minha sobrinha precisava de ir vestida com “traje africano” à creche.
Bom, fiz a minha cara de embaraçado e tentei desenvencilhar-me da minha desatenção com uma anedota e fomos para a aula. Contudo não pude deixar de me perguntar, já que me pareceu que vestir-se daquela maneira era render uma espécie de homenagem à mãe África, ou talvez um lembrete de nossas origens e identidade.
Onde deixamos a África nos restantes 364 dias do ano?
Onde guardamos a nossa africanidade quando não temos um 25 de Maio para comemorar?
Em que caixão empoeirado escondemos as reflexões filosóficas, sociológicas, econômicas que fazemos aos montes, neste dia?
Na minha universidade, hoje discutiu-se a produção científica dos países da Organização de Unidade Africana. Gostei da ideia, mas perguntei-me, quase me sentindo culpado. Porquê apenas hoje?
É verdade que alguém poderá simplesmente dizer que o simbologismo da data nos instiga a pensar sobre o continente. Mas pergunto (inclusive à mim mesmo), será que os nossos problemas apenas emergem em Maio? Ou apenas tornam-se mais exuberantes nesta altura?
Vejo com certa decepção, que em Maio surgem as confeiterias e pirotécnias discursivas que nos ajudam a amenizar o peso de consciência pelos restantes 364 dias nos quais não pensamos com a seriedade necessária sobre os vários problemas que nos fazem companhia de maneira omnipresente. Portanto, emerge um problema, na minha opinião quanto à essa essa identificação sazonal por ocorrência do dia 25, que é o facto de que se faz toda essa comemoração sem espaço para discussões mais profundas, sem reflexão e crítica sobre a colonização do nosso dia-a-dia, da nossa consciência, da nossa economia, em suma, sem politização absolutamente nenhuma. Apenas a festa pela festa!

Sei também que no resto do ano a maioria de nós perde-se num atribulado e desumano quotidiano em que nos sobra tempo, apenas para realizar um trabalho que serve somente para dar-nos o mínimo para voltarmos a trabalhar no dia seguinte, deixando-nos pouco ou nenhum tempo para pensar, criar e inventar, enfim para nos emanciparmos e nos empoderarmos.
Neste sentido, o 25 de Maio é apenas uma minúscula janela que surge uma vez por ano para fazer-nos esquecer temporariamente nosso estado de escravidão moderna, seduzindo-nos com um mergulho total e intencionalmente despolitizado no sedutor colorido dos Panos do Congo e das Samakakas à que reduzimos o dia de África. 


sexta-feira, 18 de maio de 2018

E depois a culpa é do Professor!


Desta vez gostaria de problematizar o pronunciamento da Ministra da Educação, no qual supostamente coloca na conta dos professores a responsabilidade pela falta de qualidade do ensino em Angola.
Acho que já surgiram pronunciamentos dos mais diversos inclusive que colocam em análise aspectos estruturais que não dependem dos professores, tais como: a falta de merenda escolar, as aulas debaixo de árvores, a falta de transporte para os alunos, os salários criminosamente incompatíveis, entre outros.
Para início de conversa, é importante dizer que não se trata de apresentar a ministra como uma pessoa incompetente, por seu discurso, o que tornaria muito fácil e superficial a crítica, diminuindo inclusive sua relativa importância. Trata-se, sobretudo de fazer um esforço para olhar além do discurso e saltarmos para uma seara, na qual consigamos entender que o problema não é o discurso em si mesmo, mas a ideologia por detrás do discurso, ou seja, se o discurso da ministra fosse uma cebola, o meu convite seria não para simplesmente falarmos mal da cebola, mas retirarmos as capas da mesma, uma à uma até descobrirmos o que esconde.
Este seria em si mesmo um exercício de crítica. Não uma simples e irresponsável, mas uma que tenta compreender um fenômeno mais amplo.
O que nos aponta de facto este discurso.
Em minha opinião, ele aponta para uma forma de pensar muito específica e premeditada. Aponta para uma concepção ideológica de educação.

O que é uma ideologia? Uma forma de pensar, uma idéia que orienta práticas individuais e colectivas (inclusive do estado).
Portanto, a Ministra estava (inadvertidamente ou não) a apontar-nos para a concepção ideológica da nossa educação.

Mas aqui surge outro questionamento:
Que ideologia é essa e quais suas consequências para a educação em Angola?
Vou tentar responder à estas duas questões e quem sabe ajudar a desnudar a armadilha que o discurso esconde.
Quanto à primeira questão podemos responder o seguinte:
Simplificando, o neoliberalismo é a ideologia econômica segundo a qual o estado deve isentar-se de participar na economia.
Sobre as suas consequências para educação podemos dizer que a principal e mais criminosa é a deserção e desresponsabilização do Estado, algo que ocorre no caso de forma tanto implícita quanto explícita.
Como vemos, sem querer a Ministra deu-nos uma pista explícita, pois ao transferir para os professores a culpa pelo insucesso escolar, ela demonstrou de modo inequívoco a intenção de deserção do Estado e é dessa forma que sugiro que se deva compreender o discurso. Não vamos esquecer que o pronunciamento do titular de um cargo público é salvo raras excepções, a posição oficial do Estado sobre a matéria. Destarte, a ministra estava a informar-nos sobre algo que já ocorre desde antes da Reforma Curricular e que encaminha de modo progressivo, sistemático e consistente a educação angolana à uma precarização de difícil retorno.
Para ajudar a sustentar este argumento, vamos analisar algumas evidências:
As comparticipações
Estas são talvez um dos exemplos mais paradigmáticos da deserção do Estado. Com as comparticipações fica introduzida uma prática que transfere para os encarregados de educação a responsabilidade de funcionamento da escola, deixando para o Estado apenas a tarefa de contratar os professores e remunerá-los.
Tarefas como a construção de novas salas, a manutenção das estruturas e em alguns casos até mesmo a contratação de pessoal menos qualificado (vigilantes e pessoal da limpeza) também ficam dependentes do valor arrecadado pelas comparticipações, criando um precedente para a criação de contratos pecaminosamente precários.
As falhas que ocorrem na gestão passam a ser atribuídas não mais à problemas relacionados à gestão central, mas à inépcia dos directores, a sua falta de iniciativa, ou pior, à má-vontade dos pais que não pagam as comparticipações.

Formação permanente
Apesar de a formação ter sido incluída nos itens de avaliação dos docentes, não estão criados mecanismos que estimulem os docentes a fazê-lo, além de que nos últimos anos a formação também perdeu a importância do ponto de vista da sua utilização imediata como critério de promoção, já que a única formação válida é aquela que confere algum grau acadêmico, excluindo-se portanto, as especializações, cursos de curta duração e outros que não conferem um grau de escolaridade (ensino médio, bacharelado, licienciatura, etc). Deste modo, a busca de superação torna-se sem serventia ao mesmo tempo que se obriga o professor a superar-se às suas próprias custas.

Superexploração do professor pelo voluntariado obrigatório
A tônica mais marcante da educação em Angola tanto nos discursos dos professores, quanto socialmente é a ideia do amor à camisola. O professor que trabalha por amor à camisola, amaria de tal maneira a mesma, que não se importaria de dar aulas independentemente das condições. Seu valor estaria na capacidade de resistir heroicamente à um salário ofensivamente baixo, salas de aula superlotadas, escolas sem bibliotecas, com pouqíssimas condições, ou mesmo a falta quase total de condições. Ele ainda assim, teria que gostar da profissão, para não ser chamado de incompetente e antipatriota. O professor ver-se-ia obrigado a tomar parte de actividades para as quais não foi contratado e nem sequer é pago, configurando em alguns casos desvio de função.
Junta-se a isso o trabalho fora do horário normal de expediente (sem remuneração) levando para casa provas por corrigir, chamadas escritas e trabalhos dos alunos, ao prepararem os seus planos de aulas, que implicam em várias horas de estudo (nunca contabilizadas), etc. Aliás, já é prática corrente em muitas escolas a planificação aos sábados mesmo sendo dia de descanso.
Neste cenário, o Estado já despersonalizado, por se confundir mais com uma empresa, do que com um ente público, abandona a sua responsabilidade de assegurar sua real finalidade social e tornando-se num complexo concorrente das corporações empresariais.
O indivíduo representado aqui pelo professor (aluno, pais, médico, etc.) passa a ter que assumir a responsabilidade de garantir por conta própria a qualidade da educação, o atendimento médico (no caso dos médicos), o saneamento dos seus bairros, a segurança da sua comunidade, enquanto um governo sequestrado pela ideologia neoliberal impingida pelo FMI, Banco Mundial e outras agências, deserta de suas actividades fim.
Assim, a educação segue o mesmo caminho das empresas públicas que estão na lista da privatização. É verdade que a educação, por ser um serviço, presta-se menos à mercantilização, o que não significa que não possa ser transacionada da mesma forma que têm sido as empresas públicas.
Deveríamos agradecer à ministra, porque sem querer ela abriu o jogo sobre o fim da nossa educação. Reduzi-la à uma mercadoria vendida por empresas públicas (estado) e privadas.
Ops, desculpa, mas parece que isso já acontece!

sábado, 12 de maio de 2018

O Angosat 1 é apenas um sintoma

Faz algum tempo que tenho pensado em escrever sobre o Angosat 1 (o satélite angolano lançado em 2017 em cooperação com a Rússa).
Gostaria de partir da premissa de que o Angosat 1 é um Sintoma!
Como sabemos, um sintoma é de maneira geral a descrição de um mal-estar relativo à determinada situação ou evento que cause sofrimento.
Mas então, porquê o Angosat 1 seria um sintoma e do quê exactamente (de que doença)?
Pois bem!
O Angosat 1 é um sintoma da situação do nosso querido e amado país. O que eu quero dizer, em outras palavras é que o Angosat 1 representa um mal-estar geral vivido por nós angolanos há vários anos. Ele é mais um de vários e antigos avisos de que há coisas que merecem a nossa atenção. Aqui é importante dizer que essas coisas são merecedoras de atenção  não somente da presidência, mas de toda a nação.
Enquanto sintoma, o Angosat 1 engrossa uma lista de que fazem parte, projectos de grande e de pequena importância tais como a Barragem de Laúca, que pouco depois de inaugurada apresentou problemas relacionados à uma infiltração provocada pelas chuvas, o fracasso do PAPAGRO, depois de ter consumido cerca de 515 milhões de dólares, o Hospital Geral de Luanda, que teve que ser fechado temporariamente, logo depois da inauguração, sem que se tenha tornado público o investimento nele aplicado, os problemas com o Fundo de Combate à Malária, os desvios relacionados ao Fundo Soberano, a falência do programa Merenda Escolar, entre vários outros. Todos eles têm uma característica fundamental:
Foram concebidos para falhar!
Nenhum deles foi feito e pensado para funcionar, ou ao menos para funcionar à longo prazo, mas para falhar espalhafatosamente. Neste sentido eles ironicamete, deram tão certo quanto se podia esperar. Esta minha conclusão é sustentada pelo facto de que a única variável consistente em todas estas obras e outras não citadas é a sua morte anunciada.
São na sua maioria projectos que lembram as obras faraônicas que alimentaram a derrocada da utopia megalomaníaca do Ghana, quando conselheiros ocidentais, cheios de “boas intenções” ofereceram ideias e planos que prometiam transformar o Ghana acabado de sair das mãos de seus antigos colonizadores numa espécie de delírio, que levaria ao surgimento de uma suposta versão africana dos Estados Unidos, construindo grandes edifícios de luxo quase sem nenhuma utilidade. Alguns dos quais nem sequer foram concluídos.
Contudo, questões como a desonestidade crônica da governança, a falta de transparência e um anti-patriotismo patológico, tornam-se apenas corrolários dos problemas de fundo.
O modus operandis é o mesmo, por meio de empréstimos e concepções estrastoféricas e predatórias, ocidentais oferecem-se para contribuir num suposto desenvolvimento acelerado do país. Os líderes desavisados, ou alimentados por delírios megalomanícos aceitam e passam a seguir uma agenda que muitas vezes coloca o povo em 6º, 7º ou 8º lugar.
Angola, tal como outros no passado e mesmo no presente, tem caido consistentemente na mesma armadilha seduzida pela promessa  de um crescimento acelerado, quase mágico, contudo sem pensar no básico, ou pior, negligenciando a própria população.
Só assim se justifica que por exemplo, se tenha priorizado a construção de um satélite de USD 252.000.000 (duzentos e cinquenta e dois milhões de dólares norte americanos) num país em que o Indice de Desenvolvimento Humano coloca-nos no 150º lugar numa lista de 188 países, enquanto os hospitais quase não têm medicamentos, alunos estudam debaixo de árvores, contingentes enormes de angolanos vivem sob condições subhumanas e a pobreza se torna um verbo conjugado diariamente por milhares de cidadãos sem uma aparente preocupação por parte daqueles que nos governam.
Portanto, o Angosat 1 é isso mesmo, um sintoma!
Um sintoma da nossa inércia enquanto cidadãos.
Um sintoma da falta de consideração de quem nos governa.
Um sintoma da falta de comiseração daqueles que vivem privilégios estratosféricos à custa da morte e miséria de outros.
Um sintoma, enfim, do nosso fracasso enquanto projecto de nação!