terça-feira, 12 de maio de 2015

Faceländia

Quando eu era bem mais novo  (não que seja um octogenário ainda que pareça ao dizer isso) eu sabia de dois tipos de amigos. – Os melhores amigos e os mais ou menos.
Os primeiros eram aqueles com quem fazia mil e uma travessuras, aprontávamos juntos pela vizinhança, nos revezávamos na arte de apedrejar os telhados das nossas próprias casas como uma espécie de pacto de ingenuidade, brigávamos na areia vermelha de terra não asfaltada do nosso bairro, que decidia sobre ser urbano, industrializado e violento ou continuar rural e bucólico, dando-nos desta forma, a oportunidade  de explorarmos os açudes da região, mergulhar nos lagos de água parada, que se formavam no tempo de chuva, provocar a cachorrada da vizinhança e fazer aquele rodízio, pelas casas, na hora do almoço. Mesmo sabendo como as mães irritavam-se com isso.
Era com esses amigos, que formávamos a nossa pequena e às vezes promissora gangue, que travava desafios infantis com a vida, ocupava os terrenos baldios com bolas de trapo improvisadas, dividindo abraços e sorrisos cotidianos, enfim, brincávamos e nos divertíamos sendo eternamente felizes, um dia de cada vez.
Já os amigos mais ou menos eram os conhecidos do bairro, mas que não faziam parte da gangue. Podiam ser vizinhos ou colegas lá da escola, rapazes que conhecíamos porque cruzávamos os mesmos caminhos. De vez em quando tínhamos um dedo de prosa e até cumprimentávamos quando nos encontrávamos, mesmo que apenas por boa educação. Sabíamos os nomes e os apelidos e quem eram os seus melhores amigos. Às vezes aproximávamo-nos a tal ponto que eles também poderiam vir a ser futuros amigos, mas enquanto isso continuavam na zona do “mais ou menos”.
Fomos crescendo, observando como o avanço das transformações tecnológicas, levava nossa pequena comunidade a inadvertidamente optar pela industrialização e nós, vendo-nos obrigados a substituir antigas amizades físicas pelas virtuais, - inventando um novo tipo de amigo: o das redes sociais. Migramos de umas às outras (orkut, hi5, my space, entre outras) até que chegamos finalmente ao facebook e com isso, é claro foi-nos apresentado o simpático “amigo do face”.
Este é um tipo particularmente interessante e especial, afinal, para início de conversa ele é bem mais acessível e fácil de conhecer. Um simples pedido e ele aceita, aparentemente não discrimina. Tu já nem precisas de gostar das mesmas coisas, mesmas brincadeiras, músicas e filmes, na verdade, ele nem se importa muito com o que pensas e quando importar-se, provavelmente irá bloqueá-lo, excluí-lo, ou desfazer a amizade em vez de conversar. Contudo, como nunca chegamos a conversar muito, isto nem se torna constrangedor e mais a mais, tu tanto quanto ele estão pouco se importando.
O mais interessante mesmo é que o amigo do face não precisa sê-lo na vida real, evitando assim o desconforto de partilhar aspectos importantes da vida um do outro, de trocar confidências sobre as vergonhas pessoais e desastres íntimos, ou  mais importante, perder tempo a confortarem-se em situações catastróficas, criando a ilusão de uma amizade sem sobressaltos. Aliás todas essas ações se tornaram desnecessárias no momento em que se descobriu que várias das manifestações humanas podem agora ser compactadas na famosa curtida, ou nos fofos emotions. Uma revolução no campo da demonstração de afetos e emoções ao que parece.
Portanto, uma das vantagens dessa amizade é não precisarmos dar atenção a amigo nenhum, pois ali ninguém parece importar-se em servir apenas como confete de um fantasioso perfil, ajudando a aumentar nossa popularidade com um placar que marca o crescimento do número de amigos que nos esforçamos desesperadamente por saber absolutamente nada!
Quando muito e se bater uma solidão (não saudade, porque vocês nem se conhecem de fato), damos um oi pelo bate papo na lista inteira de amigos, só pra ver se alguém daquela longa e fantasmagórica lista se digne a responder. Algumas vezes fazemos o esforço de comentar algo nas publicações que aparecem aleatoriamente em nossa linha do tempo, ou nos divertimos partilhando postagens de terceiros passando a impressão de que as tínhamos lido quando apenas demos uma rápida vista de olhos nos comentários tão superficiais quanto as relações que cultivamos com os nossos amigos virtuais.
Se aparece uma fotografia nova, mesmo não lembrando da última conversa que tivesse ido para além dos monossilábicos sim, não, ok, ou das siglas quase indecifráveis, de tão originais (tb, tvz, vc, ptp, nda, td, kkk, rsrs, hhh, entre outros) com o dono do perfil, não perdemos ainda assim a oportunidade de elogiá-la. Se surge um evento que parece importante na vida da pessoa, desfiamos sem medo de sermos apanhados traídos por nossa admiração corrosivamente artificial pela grandiosidade desse nosso amigo virtual.

Inventamos assim um novo amigo, mas ao que parece as formas pelas quais nos relacionamos hoje com esses amigos, não preenche os requisitos do que pensávamos ser um amigo. Dispensamos os abraços e outras formas de afeto, ou intimidade física e justificamos o uso dessas redes como a necessidade de encurtamento das distâncias, contudo, se chegamos realmente a encurtar as distâncias quanto a esses novos amigos, produzimos um novo tipo de distanciamento com os antigos e verdadeiros amigos, pois transferimo-los para a virtualidade do mundo das redes sociais, tornando cada vez mais assépticos  e robotizados nossos relacionamentos com eles e assim se quisermos voltar a brincar de jogar pedras nos telhados em companhia da velha antiga gangue, terá que ser provavelmente apenas no City Ville.