sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

MEU VÍCIO É A LIBERDADE

Parte III

A fila não estava tão grande como eu pensava. Talvez só eu estivesse com frio. Só os meus ossos rangessem nesse clima que parece ameno para a maioria, ou perderam esperança? Muitas pessoas perdem esperança, deixam de lutar, na maioria das vezes nem precisam de um motivo, só de sentir que já não têm esperança, que já não precisam ter. Você acha que é uma questão de lógica? Eu defendo que não, que a lógica é que nos faz esquecer quem somos. Racionais? Não me parece. Os ratos são racionais, os cachorros são racionais, os pássaros são porventura mais racionais do que nós. Emocionais, isso sim, nós somos seres emocionais, somos como nós mesmos, emocionais.

Quase entro de olhos fechados, só sinto os cheiros, não vejo absolutamente nada, mas a minha intuição me diz que é tudo tão degradante quanto o cheiro que eu sinto. Eles oferecem sopa ou jantar, eu fico com a minha lasanha, é melhor assim. Já me arrependi por ter vindo, amanhã vai ser o mesmo, primeiro venho e depois me arrependo, esse momento sabe à vermelho, mas tudo isso passa como as cores na tela de um pintor, ele as mistura buscando um efeito diferente nunca a mesma cor, nunca o mesmo vermelho... A minha vida é essa tela, quem é o pintor? É isso que queres saber? Sinto muito, eu também estou procurando por ele.

As manhãs nesses lugares são sempre diferentes da noite, numa casa normal o cheiro é sempre o mesmo, imutável, aqui os cheiros são diferentes. Uma banana nunca cheira igual a outra banana, um sorriso nunca é o mesmo, um cinismo nunca é um verdadeiro cinismo, às vezes é exatamente o contrário, ou é simplesmente uma resposta despolitizada. Eu me divirto com isso e penso: aqui os discursos políticos são iguais aos religiosos, o vômito dos homens é igual. Tudo que era diferente se torna igual e o que era igual se torna diferente. Hoje aquela cama tem o meu cheiro, Deus queira que continue a ter na próxima noite.


Felizardo Costa

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Poema sem título

Noite, estrelas, lua cheia
O cricri das cigarras que
Vivem por nós,

Mar
Maré alta, maré baixa
O vai-e-vem ritmado das ondas
O balanço dum barco cheio de vida,
Qu’ondula sem pressa
Em direção a qualquer lugar...
Sem remos, só ela.
Sem leme, nem vela;

Aquecimento, luz, calor
Quebrei minha camada de ozônio...
Minha pele se recusa aceitar...
...mas sorri!
Me lembra meus medos;

Abraços, ternura
Meu sonho se desconstrói,
Mantenho meu rumo
à lugar nenhum,
Bem perto do que amo, e
Procuro sorrisos,
Procuro utopias,
Procuro não me encontrar, só!