Há alguns dias, estava a passear pelo campus da minha
faculdade, quando encontrei um grupo de alunos entusiasmados, envolvidos em uma
discussão que parecia valer a pena ouvir; e como eu sempre me interessei pelos
assuntos alheios, aproximei meus ouvidos (curiosos) justamente no momento em
que um deles proferia a teoria de que nosso estômago é um instrumento político,
que o arroz com feijão, a feijoada, o pirão com peixe seco, ou quaisquer outras
comidas que nos acompanham teimosamente,
em nosso dia-a-dia, são grandes mediadoras das relações sociais.
Franzi o sobrolho, tentando propositadamente deixar
transparecer meu descrédito e talvez até minha convicção de que ele estava cada
vez mais próximo de um episódio de loucura, porém, ele apressou-se em acabar
com o meu resistente cepticismo e o ponto de interrogação que ameaçava surgir
no meu rosto, arranjando uma maneira de integrar um argumento que parecesse
convincente:
- Vocês lembram-se do
dito popular “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és!”, pois bem, eu sempre
achei uma boa ideia essa frase e confesso que muitas vezes usei-a sem pensar
muito além de seu sentido superficial e tendenciosamente discriminatório,
contudo, recentemente descobri, que um cara chamado Brillat-Savarin,
modificou-a para: “diz-me o que comes e te direi de onde vens”. Pus-me a pensar,
tentando vislumbrar um sentido mais profundo e crítico para a frase, de modos
que passei a procurar outras referências para refletir a respeito da mesma; e
quando então, minha curiosidade começou a ser satisfeita, passei a achar, que jamais
comeria um prato de carne da mesma maneira, pois percebi, que até nisso havia
uma proposição política. Que o que eu comia indicava um status e o que escolhia
no menu, gritava alto meu poder aquisitivo.
Meu arroz com feijão era no fundo muito mais do que um monte
de calorias inertes; era também e antes de tudo uma condição social, um modo de
demarcação de território, uma identidade cultural, de classe, sexo, raça,
nacionalidade, religião e uma contratação de relacionamentos interpessoais,
etc., que alimentam nosso imaginário quotidiano. Através da comida dividimos
ricos de pobres, sofisticação de simplicidade e ainda estabelecemos regras de
transitoriedade nos e pelos espaços público e privado.
Também compreendi que, se a “comida de mãe” distingue-se da
“comida de restaurante”, é muito mais pela familiaridade do ambiente em que ela
era apreciada, do que verdadeiramente pela sua qualidade.
Tudo isso serviu ao menos para entender pequenas coisas e
responder a perguntas que eu abafava devido à culpa religiosa que não me
deixava questionar por quê as melhores partes do frango iam sempre para o meu
pai, que injustamente já comia ovos com batata frita ao café da manhã, enquanto
nós tínhamos que nos contentar em engordar o pão com manteiga, acompanhado de
um dietético chá de camomila; e agora, finalmente ficou clara para mim, a razão
pela qual meus coleguinhas do primário, teimavam em separar-se em grupo dos que
traziam o lanche de casa e dos que o compravam na cantina.
Claro que eu não concordei com a teoria do rapaz e depois, não
podia suportar que meu café da manhã discordasse dos discursos esquerdistas,
que eu defendia nos debates de que participava. Mas por via das dúvidas, faria algumas
reformas na minha dispensa!