segunda-feira, 10 de junho de 2013

E se meu prato de arroz fizesse política?

Há alguns dias, estava a passear pelo campus da minha faculdade, quando encontrei um grupo de alunos entusiasmados, envolvidos em uma discussão que parecia valer a pena ouvir; e como eu sempre me interessei pelos assuntos alheios, aproximei meus ouvidos (curiosos) justamente no momento em que um deles proferia a teoria de que nosso estômago é um instrumento político, que o arroz com feijão, a feijoada, o pirão com peixe seco, ou quaisquer outras comidas que nos acompanham teimosamente,  em nosso dia-a-dia, são grandes mediadoras das relações sociais.
Franzi o sobrolho, tentando propositadamente deixar transparecer meu descrédito e talvez até minha convicção de que ele estava cada vez mais próximo de um episódio de loucura, porém, ele apressou-se em acabar com o meu resistente cepticismo e o ponto de interrogação que ameaçava surgir no meu rosto, arranjando uma maneira de integrar um argumento que parecesse convincente:
 - Vocês lembram-se do dito popular “diz-me com quem andas e dir-te-ei quem és!”, pois bem, eu sempre achei uma boa ideia essa frase e confesso que muitas vezes usei-a sem pensar muito além de seu sentido superficial e tendenciosamente discriminatório, contudo, recentemente descobri, que um cara chamado Brillat-Savarin, modificou-a para: “diz-me o que comes e te direi de onde vens”. Pus-me a pensar, tentando vislumbrar um sentido mais profundo e crítico para a frase, de modos que passei a procurar outras referências para refletir a respeito da mesma; e quando então, minha curiosidade começou a ser satisfeita, passei a achar, que jamais comeria um prato de carne da mesma maneira, pois percebi, que até nisso havia uma proposição política. Que o que eu comia indicava um status e o que escolhia no menu, gritava alto meu poder aquisitivo.
Meu arroz com feijão era no fundo muito mais do que um monte de calorias inertes; era também e antes de tudo uma condição social, um modo de demarcação de território, uma identidade cultural, de classe, sexo, raça, nacionalidade, religião e uma contratação de relacionamentos interpessoais, etc., que alimentam nosso imaginário quotidiano. Através da comida dividimos ricos de pobres, sofisticação de simplicidade e ainda estabelecemos regras de transitoriedade nos e pelos espaços público e privado.
Também compreendi que, se a “comida de mãe” distingue-se da “comida de restaurante”, é muito mais pela familiaridade do ambiente em que ela era apreciada, do que verdadeiramente pela sua qualidade.
Tudo isso serviu ao menos para entender pequenas coisas e responder a perguntas que eu abafava devido à culpa religiosa que não me deixava questionar por quê as melhores partes do frango iam sempre para o meu pai, que injustamente já comia ovos com batata frita ao café da manhã, enquanto nós tínhamos que nos contentar em engordar o pão com manteiga, acompanhado de um dietético chá de camomila; e agora, finalmente ficou clara para mim, a razão pela qual meus coleguinhas do primário, teimavam em separar-se em grupo dos que traziam o lanche de casa e dos que o compravam na cantina.
Claro que eu não concordei com a teoria do rapaz e depois, não podia suportar que meu café da manhã discordasse dos discursos esquerdistas, que eu defendia nos debates de que participava. Mas por via das dúvidas, faria algumas reformas na minha dispensa!