domingo, 10 de março de 2013

Filas possíveis


Não há praga maior do que as filas. Difíceis de controlar, praticamente impossíveis de erradicar, mas não há como negar sua utilidade, pois fornecem indicadores interessantes sobre um país e são de uma proporcionalidade fantástica. Veja que, quanto menos desenvolvido o país, tanto maior a crença da população de que elas são o melhor exemplo de sociedade organizada.
Falam sobre o nível tecnológico de uma nação, por exemplo, se as pessoas precisam de acordar quatro horas antes do expediente para entrarem numa fila incompreensivelmente longa, apenas para ter acesso a algum serviço público, é por que o país ainda não é muito avançado.
Se as pessoas continuam a preferir este hábito (ou vício, dependendo do caso) suburbano apesar do atendimento ser dependente exclusivamente de uma senha eletrônica, é por que a ignorância informática ou nível de analfabetos é provavelmente muito maior do que as estatísticas mentirosas do governo apresentam. Porém, não podemos negligenciar seu alto valor antropossociológico, afinal,  as mesmas servem para garantir a tão benfazeja socialização das mulheres, proporcionando-lhes alguns momentos de uma cartase saudável e gratuita ao fofocarem sobre o vizinho que não imagina que é corno graças a demora na fila do ônibus. Matondelo, um  psicólogo famoso da universidade de Broblim também ressalta a sua importância no aumento da autoestima da menina do caixa do supermercado, que graças a esse artifício social despropositado, ganha xavecos improvisados em cima das listas de compras, enfim, sem elas talvez não saberíamos o que seria beber e fumar socialmente. Aliás, há mesmo uma teoria que diz que homens e mulheres de países subdesenvolvidos são mais felizes, porque eles têm na fila a oportunidade de xingar sem medo de represálias aqueles que atrapalham esse tipo de organização. E não é por acaso que os maiores índices de pobreza estão nos primeiros, aliás, os economistas descobriram que quanto mais tempo as pessoas passam nas filas, tanto menos tempo passam a trabalhar (são um bom indicativo de produção de um país) e os atendentes conhecem a situação, por isso as filas são longas e demoradas demonstrando a sua solidariedade com os clientes. Infelizmente muita gente não compreende e se exaspera profundamente com a lendária morosidade das filas, esquecendo-se que graças a elas, evitam expor-se a situações potencialmente perigosas como a possibilidade de serem seqüestrados na sua própria casa.
Recentemente comecei a perceber que elas também são importantes fontes de informação sobre os serviços de determinado local. Por exemplo, a da padaria diz que o pão até não é tão bom, mas é barato, a do banco, quanto maior a fila, melhor a política de crédito, já a do hospital, trás duas mensagem bem claras: se estiver às moscas é um péssimo hospital, ou caríssimo; se estiver superlotado, é ótimo para pobres. É bom lembrar que não há uma melhor que a do talho, entre uma e outra lição de anatomia para donas de casa, você ainda se deleita com as melhores estórias da vizinhança, por outro lado, nenhuma é tão irritante quanto a de uma repartição pública. Tu esperas por horas a fio e quando chega a tua vez sempre falta mais um documento, uma assinatura ou a boa disposição da funcionária, que é sempre gorda, rabugenta e de inteligência medíocre, mas que se acha a gema.
Engraçada mesmo é a fila do chapeleiro, e do provador da loja de roupas, todos esperando desesperados pela sua vez de despir-se. Poucas são tão disputadas como a do bar, sobretudo se o barman for uma mulher (os donos de bares descobriram isso a que tempos).
Tem também as filas sazonais, por elas podemos dizer em que dia do mês estamos, como as do salário, as das vésperas do natal, páscoa e dia das mães, ou a eleitoral, que no Brasil quer dizer que estamos em época da copa.

Obs.: Filas possíveis é uma reedição da crônica Filas, porque vos quero, publicada aqui neste blog em junho de 2010.

terça-feira, 5 de março de 2013

Mente Cyborgue


Hoje meu amigo entrou injuriado em minha casa, peidando impropérios. Perguntei o que se passava e ele respondeu-me com um desapontamento incompreensível:
- A tecnologia meu caro, tem tudo a ver com essa abelhuda, que nos convenceu ser essencial para nossa miserável existência.
Eu, sem entender muito bem, mas mordendo-me de vontade de ouvi-lo desenterrar mais uma de suas delirantes conjecturas, fiz aquela cara exclamativa, de propósito. Encorajando-o a continuar.
- Então meu dileto amigo, é a mesma história e as pessoa, na verdade o mundo todo, negligencia isso. Continuando cada um com sua vida, como se de um pachorrento domingo se tratasse, enquanto as máquinas nos subjugam cooptando até aquilo que tínhamos como última barreira entre nós e elas, - nossa subjetividade. Transformando-nos em interfaces de um programa qualquer, de poluídas redes sociais, condicionando-nos a ser palhaços de um palco de espetacularizações; às quais aderimos com o maior prazer deixando que parâmetros de computador redefinam nossas relações com o mundo. Enquanto Delegam a nós mesmos a tarefa de nos convencermos com a simplicidade do argumento do encurtamento das distâncias e de uma suspeitosa tele-existência, sem parar para refletirmos, que o custo disto é mais alto do que a construção de uma nova forma de vida na qual as pessoas emprestam parte de sua subjetividade ao mundo virtual, virtualizando não apenas suas relações de trabalho, afetivas, culturais, etc., mas a si mesmos, transformando-nos em parte integrada à eletromagnética e às tecnologia informacionais e produzindo uma perigosa superexposição das nossas intimidades na web, incentivada pela promessa mentirosa de notoriedade e reconhecimento. Ficando assim esquecidos todos aqueles rituais de um tempo em que a vida ainda era experimentada no cara com a rua, na insegurança quotidiana de um dia de trabalho, no contágio despropositado de emoções e nos flertes maliciosos que casados e solteiros trocam nos transportes públicos.