domingo, 15 de dezembro de 2013

A Realidade é desobediente

Estava há dias numa reunião com colegas da faculdade, quando uma das presentes soltou uma frase que deixou meus fracos neurônios momentaneamente suspensos de tão criativa que ela me soou.
- A realidade é desobediente!

Ela deixou pairar a ideia sobre a sala, ainda por alguns instantes, enquanto a maioria de nós tentava se concentrar na profundidade daquela sentença, fazendo conexões mirabolantes com as situações que estávamos a discutir.
Eu adorei a frase, atirada assim, de rompante, sem nenhuma pretensão, mas que alcançou um efeito inesperado, porém, como já é meu vício conhecido, apropriei-me dela sem falsos pudores, imaginando exemplos vários em que ela (realidade) se comporta como uma criança birrenta, ou um adolescente com TOD (transtorno opositor desafiador), sem me esquecer da conveniente ressalva a respeito da desnecessária, mas quase imediata patologização do comportamento desse adolescente malcriado. É bem verdade que não deixei de parte a possibilidade de que o problema poderia ser também, um provável sintoma de uma sociedade inteiramente capenga e incapaz de lidar com o imprevisível. Porém, achei melhor me esforçar em abordar apenas a angústia causada pelas inconstâncias dessa criança irreverente e irrequieta, que com suas flutuações de humor nos obriga a reescrever constantemente nossos planos de longo prazo, aliás, parece até que nessa lógica seria mais aconselhável extinguir o “longo prazo” de nossos cronogramas, pois curto e médio parecem oferecer-se como nuances mais coerentes dessa parafernália cotidiana, que caracteriza nosso modo de vida supostamente moderno.

Contudo, enquanto aquele adolescente amadurece, sua rebeldia continua nos incomodando, agora mais fina e sofisticada de tal modo que aquela antiga angústia, antes experimentada apenas esporadicamente, vai-se tornando numa espécie de estado permanente, imbricando-se nas várias esferas de nossa vida (amorosa, familiar, profissional, etc.) e aquele adolescente rebelde se transforma num adulto intransigente e inflexível, elevando nossa angústia (a essa altura já patologizada) a um perigoso sentimento de frustração, devido à nossa impotência diante da tal realidade desobediente, que caprichosa nos obriga a prestar-lhe reverência.




[1] Dedico este texto ao pessoal da incubadora da UNESP-Assis (2009) especialmente à Soninha que disparou a frase e me possibilitou usá-la aqui.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sendo babaca e homem

      Nos últimos tempos tenho ouvido com frequência, ideias que explicam vários problemas sociais como tendo origem no fato de vivermos numa sociedade que produz pessoas problemáticas, como dá para imaginar, neste caso a culpa nunca é do nosso caráter, mas sempre de uma sociedade que educa de modo racista, machista, homofóbico e por aí fora. Assim até fica fácil justificar todos os problemas recorrendo a clichês e argumentos retóricos para arrazoar sobre atitudes totalmente irresponsáveis.
       Nós homens somos especialistas nisso, aproveitamos retóricas machistas e sexistas para argumentar a favor de nossos erros e babaquices, que incontáveis vezes produzem um sofrimento indesculpável às pessoas que dizemos que amamos.
       Assim, a traição nunca é culpa do cara, já que pode ser facilmente explicada pela educação (ou falta dela). Afinal, crescemos aprendendo que ser homem é entre outras coisas:
      
        Fazer alarde das nossas paqueras irresponsáveis, sem questionar se isso não soaria à desrespeito para a parceira, aliás, dane-se ela, porque eu tenho mesmo é de provar ser macho, deixando claro que meu ego precisa deste esforço desonesto para mostrar aos amigos aquela pose de  fodão, fazendo questão de desconsiderar inclusive os compromissos assumidos com minha parceira.
 
       Flertar com outras mulheres sem pensar no mal-estar que isso causará à relação na qual você entrou voluntariamente.
 
     Tornar o conceito de fidelidade, numa definição abstrata e nebulosa, só válida quando você pode se colocar como vítima.
 
      Defender que todas estas ações são nada mais do que “brincadeirinhas inocentes”, sem verdadeiras implicações. Porém, esta é uma mentira conveniente que esconde jargões igualmente mentirosos e perniciosos como:
 
       “Estas são coisas de homem!”,
       “Homens fazem isso mesmo!”
       “Isso é apenas homens sendo homens!”
 
       Todas estas e outras frases, tentam retirar a culpa pessoal dos homens levando a vítima (mulher) a acreditar que como homens não teriam outra opção que não comportarem-se como “porcos chauvinistas”, exercitando sua capacidade de serem babacas desonestos, porque mesmo que ninguém escolha nascer homem ou mulher, qualquer um escolhe ser uma pessoa melhor, mais honesta e educada com os outros.
       Neste sentido, nós homens precisamos passar a nos responsabilizar por nossas ações sem nos escudarmos em desculpas esfarrapadas que jogam toda a culpa de nossas peripécias inconsequentes e muitas vezes de uma falta de sensibilidade que beira a psicopatia, sobre o fato de sermos homens... e os homens serem assim mesmo!