Eu cresci em meio a um país em que o melhor
que se sabia fazer era guerrear. Os meninos eram mandados para a morte às vezes
antes mesmo dos 18 anos, apenas precisavam para isso de parecerem capazes de
segurar uma arma. Quando isto não acontecia por meio de leis compulsórias dava-se
por desaparecimentos inexplicáveis. Ser menina era uma benção, porque rapazes eram
sequestrados para incorporarem grupos militares, aprendendo de maneira nada didática,
como era ter o poder de uma AK-M nas mãos.
Naquela altura, os pais se desfaziam
em tristeza, cientes de que só por milagre voltariam a ver os seus filhos. A maioria
se conformava com a ideia de que nem o direito de enterrá-los teriam. Na escola
e pelos órgãos de comunicação, ensinava-se, que a guerra servia para libertar os
povos oprimidos e injustiçados, tinha sido assim nas 2 guerras mundiais com as
paradoxalmente chamadas de guerras justas, ou guerras de libertação. Na
sequência, os parentes matavam uns aos outros, apenas porque tinham sido
raptados por lados opostos. Para não cederem ao peso de consciência, despersonalizavam
os adversários, bestializavam-nos, era mais fácil assim. Ninguém mais idealizava
estar a cravar uma bala num semelhante, em vez disso, imaginavam forçosamente,
que estavam apenas a expurgar o mal, que estava acantonado do outro lado do
rio.
Terminou a guerra e as bestas tiveram a oportunidade de se encontrarem,
olharam uns nos olhos dos outros e perceberam que tinham sido enganados, que na
verdade guerreavam contra si mesmos, que dizimaram as suas próprias famílias,
mas também não era possível ressuscitar os que foram, “bola pra frente”.
Decidiram reunir-se e reorganizar o presente, pôr de parte o passado, porque
ninguém tinha sido perfeito, mas aqui, novo obstáculo. Alguns tinham-se tornado
maiores e já não pretendiam respeitar os que se enfraqueceram devido ao
conflito. Escamotearam a vontade de mudança dos derrotados no campo de batalha
e sobrepuseram-se com uma maioria suspeita ou assustada por declarações obscuras,
tornadas públicas de propósito. E se antes não entendia para que servia a
guerra, agora vejo claramente: para garantir a legitimação de uma hegemonia
fabricada por fatos favoravelmente encaixados aos anseios de um povo, que convenientemente,
parece não ter memória!