sexta-feira, 30 de março de 2012

Para que servem as guerras - Parte I


Eu cresci em meio a um país em que o melhor que se sabia fazer era guerrear. Os meninos eram mandados para a morte às vezes antes mesmo dos 18 anos, apenas precisavam para isso de parecerem capazes de segurar uma arma. Quando isto não acontecia por meio de leis compulsórias dava-se por desaparecimentos inexplicáveis. Ser menina era uma benção, porque rapazes eram sequestrados para incorporarem grupos militares, aprendendo de maneira nada didática, como era ter o poder de uma AK-M nas mãos. 
Naquela altura, os pais se desfaziam em tristeza, cientes de que só por milagre voltariam a ver os seus filhos. A maioria se conformava com a ideia de que nem o direito de enterrá-los teriam. Na escola e pelos órgãos de comunicação, ensinava-se, que a guerra servia para libertar os povos oprimidos e injustiçados, tinha sido assim nas 2 guerras mundiais com as paradoxalmente chamadas de guerras justas, ou guerras de libertação. Na sequência, os parentes matavam uns aos outros, apenas porque tinham sido raptados por lados opostos. Para não cederem ao peso de consciência, despersonalizavam os adversários, bestializavam-nos, era mais fácil assim. Ninguém mais idealizava estar a cravar uma bala num semelhante, em vez disso, imaginavam forçosamente, que estavam apenas a expurgar o mal, que estava acantonado do outro lado do rio. 
Terminou a guerra e as bestas tiveram a oportunidade de se encontrarem, olharam uns nos olhos dos outros e perceberam que tinham sido enganados, que na verdade guerreavam contra si mesmos, que dizimaram as suas próprias famílias, mas também não era possível ressuscitar os que foram, “bola pra frente”. Decidiram reunir-se e reorganizar o presente, pôr de parte o passado, porque ninguém tinha sido perfeito, mas aqui, novo obstáculo. Alguns tinham-se tornado maiores e já não pretendiam respeitar os que se enfraqueceram devido ao conflito. Escamotearam a vontade de mudança dos derrotados no campo de batalha e sobrepuseram-se com uma maioria suspeita ou assustada por declarações obscuras, tornadas públicas de propósito. E se antes não entendia para que servia a guerra, agora vejo claramente: para garantir a legitimação de uma hegemonia fabricada por fatos favoravelmente encaixados aos anseios de um povo, que convenientemente, parece não ter memória!

terça-feira, 13 de março de 2012

A pobreza está no meio


Embriagado pela minha mediocridade, passeava pelos canais da TV, quando vi pela milésima vez, pessoas discutindo, como os programas de luta contra pobreza são a solução para a maioria pobre, pessoas, que nada têm e por medo ou vergonha de darem uma visibilidade politicamente incorreta à sua miséria, escondem-se por detrás de eufemismos obtusos como: classe média, grupos desfavorecidos, massa populacional, pessoas carentes, etc., que refletem tudo menos a dificuldade em realizarem as suas necessidades básicas, aliás, satisfazê-las é para eles um privilégio, que não passa de um sonho impossível de se realizar.
Como sempre acontece nestes debates, polarizam-se os extremos, primeiro os defensores, com argumentos que tentavam ganhar a simpatia dos telespectadores entre um certo e verdadeiro obscuramente conveniente, como se a verdade fosse um trunfo dos que tinham criado as tais políticas públicas, que de públicas tinham muito pouco, pois, todas as coisas importantes sobre o funcionamento dos mesmos programas, se mantinham envoltas em um secretismo incompreensível, dando a impressão de existir uma cabala enrustida em algo vagamente transparente e democrático. A seguir, apareciam os da oposição, que levantavam-se contra as coisas que cheiravam a controle social e demonstravam uma necessidade quase obsessiva de criticar sem oferecer qualquer saída, pois entendiam, que seu dever patriótico era problematizar até à própria necessidade de respirar. Eles tentavam mostrar como os pobres não precisam de esmolas, mas de oportunidades concretas, que não estivessem disfarçadas de estratégias políticas apenas para garantir uma gratidão manipulada pelo usufruto de direitos merecidos por lei. Eles sempre terminavam os seus argumentos com palavras de ordem contundentes e chamavam os adversários de fascistas, cérebros formatados e ignorantes estruturais, sem capacidade de analisar os motivos ocultos por detrás dos programas que publicitavam, até porque a idéia de pessoa desfavorecida já era um grande crime de segregação, algo reprovado pelos construtores dos paradigmas heurísticos mais importantes da ciência. Por último, se faziam representar aqueles, que como Aristóteles, preferiam acreditar, que a virtude está no meio e a única maneira razoável de se colocar diante de uma questão tão polêmica, quanto essa, era a neutralidade. E eu, que não tinha ainda nenhuma opinião a respeito. Concordei e me acobardei com Aristóteles e esperei que chegassem a algum consenso, porque enquanto se discutia, a miséria se reproduzia.

Medíocre até na ignorância

Chamaram-me: mente medíocre, não entendi e por isso não me ofendi, sabia com certeza, que não era um cumprimento, mas nunca o tinha ouvido antes e achei que era um insulto não tão insultuoso, na verdade, até gostei de ouvi-lo e passei a repeti-lo várias vezes para outras pessoas, usava-o principalmente, porque me parecia estiloso e chique chamar alguma pessoa  de “mente medíocre”. Ia ao banco e quando alguém se infiltrava na fila, eu tinha o insulto ideal; se a atendente fosse mal educada, não precisava de me zangar, apenas usava a expressão e dava as costas, até no trânsito, lugar de ninguém e famoso pela abertura e à-vontade com que as pessoas costumam a usar palavrões. Mudei de atitude, já não precisava de gritar aquele deselegante filho-da-puta e dizia simplesmente: mente medíocre, quase como se estivesse a recitar uma poesia, porque era assim que ele me soava, poético. Na maioria das vezes, isso cortava o ironicamente mal-educado e ainda mais irritante, “igualmente, obrigado”. Em vez disso, os motoristas se imobilizavam linguisticamente, tentando processar o que tinham acabado de ouvir e enquanto o seu cérebro se descongelava, o sinal tinha apagado, a fila tinha avançado e eu já havia vazado, provavelmente se babavam de raiva, porque não existia xingamento que chegava à altura do meu. Para quem não sabe, Já é muito difícil responder à altura a um termo xulo, quanto mais a algo tão elaborado. Mas a minha alegria não durou tanto quanto eu gostaria. Certo dia meti-me no engarrafamento e fui furando clandestinamente pelo lado direito da fila (dando mbaias), quando um dos motoristas propositadamente me corta o caminho, indignado, usei a fórmula: mente medíocre! Desta vez gritei o Maximo que pôde, para fazê-lo sentir-se ainda pior, mas em vez do silêncio costumeiro ouvi: despenteado mental! Nem o meu insulto gerou alguma vez, tanta gargalhada, quis retribuir, mas o sinal tinha apagado, a fila avançou mais rápido do que o costume e eu entendi finalmente, porquê me chamaram “mente medíocre”.