Reencontrei recentemente um
amigo, que já não via há muito tempo e como é costume nestes casos, começamos a
rever nossas lembranças sobre o passado, até que ele me disse o seguinte, com
aquele ar simultaneamente nostálgico e desapontado:
- Tenho a impressão de atualmente
nos dedicarmos cada vez menos às pessoas. Parece
estarmos a esquecer aos poucos, como é importante cultivar as relações, seja
com pessoas próximas, ou qualquer que conheçamos mesmo que apenas superficialmente. Digo isso
pensando por exemplo no vigilante/segurança do trabalho, da faculdade, ou dos
outros lugares em que circulamos.
Com frequência já não
lembramos dele, tão logo atravessamos a cancela, esquecendo-nos que precisamos
da sua atenção ao menos duas vezes ao dia;
- À saída e à entrada!
Ele abre-nos as portas, autoriza nossa passagem e neste sentido,
representa ainda que apenas metaforicamente os únicos momentos que iniciam e
encerram o ciclo principal de nossas quase sempre sôfregas vidas: nascimento e morte.
Quando abrem simpáticos, nos sentimos felizes por termos recebido naquele
pequeno aceno de mão, o reconhecimento de nossas curtas existências, não somos mais
invisíveis, graças a eles e isto nos anima a pensar que talvez não o sejamos ao
mundo, eles são assim, a mão pela qual alguns mundos nos são abertos ou
fechados.
Do mesmo modo, outras pessoas abrem e fecham portas e janelas para nós
ao longo da vida, como os enquadramos ou o quanto nos esforçamos por reconhecer
sua artífice contribuição, é uma coisa sobre a qual deveríamos pensar vez por
outra, pois à medida que crescemos cruzamos por acaso ou propositadamente com
outros destes porteiros da vida (irmãs e irmãos, amigas e amigos, companheiros,
compadres, primas e primos, namoradas e namorados entre outros), todos a seu
modo ajudando a abrir e a fechar infinitas passagens, algumas com maiores dificuldade
do que outras, até à altura em que começamos a perceber, que mais importante do
que o abre/fecha, são na verdade o caminho e a companhia, que logo nos fazem
esquecer como foi doloroso abrir aquela última porta, para nos fixarmos apenas não
sensação prazerosa de fechá-la agora.
Assim, amadurecemos e supostamente passamos a ter uma preocupação maior
com nossos parceiros de caminhada, desejando mais a companhia daqueles que
andam do nosso lado e nos tratam como iguais e evitando os que sinalizam já
desde o início uma obsessão doentia por se colocar sempre à nossa frente, para
chamar à si o protagonismo de tão tortuosa jornada, ou porque não é capaz de
entender o sentido de se andar de mãos dadas. Afastamos também daqueles que se
colocam sempre atrás, evitando responsabilidades maiores, deixando para nós a
tarefa ingrata e solitária de desbravar o caminho por ele, oferecendo-lhe
respostas à medida que nos segue o rasto de forma covarde.
Enfim, continuamos a caminhar e enquanto tiramos a valiosa lição de que essa
andança afinal sempre vai requerer algum tipo de negociação se quisermos
companhia e algumas concessões para garantirmos benefícios mais ou menos proporcionais,
descobrimos quase por acidente, que pode ser também um processo longo, o que
nos obriga a sermos criativos quanto ao que fazer com as pedras que surgem pelo
caminho.
Dependendo do otimismo, talvez as usemos para nos divertir, quebrando algumas
janelas pelo caminho e neste caso, fazê-lo com alguém, mesmo que isso implique
algum tipo de sacrifício, pode ao menos nos garantir boas lembranças para usar
como combustível na próxima jornada!
Caríssimo, que as cancelas de teus textos continuem a proporcionar frestas, por onde tua escrita não cesse de ter seguimento. Muito bom o texto, a narrativa do acontecimento.
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