Por que o consumo sem
consciência é um problema?
Esta é uma questão para a nossa
era, pois o consumo desenfreado e irresponsável de bens essencialmente
supérfluos é praticamente uma marca identitária da sociedade contemporânea.
Uma leitura não muito profunda
sobre nossos hábitos de consumo é suficiente para nos permitir observar que
cada vez mais nos afundamos num regime em que nos convencemos que comprar é
sinônimo de felicidade, de ser feliz, ou seja, compramos por que temos a ilusão
de que isso nos deixará felizes, ou pelo medo de continuarmos tristes pela
falta. Neste sentido as propagandas cumprem o seu papel de nos estimular a
consumir enfiando-nos goela abaixo aquelas publicidades machistas onde mulheres
são apresentadas como o equivalente a simples objetos, junto com carros, que
supostamente tornariam os homens mais atraentes e desejáveis, perfumes que nos
fariam a todos irresistíveis, ternos, óculos e outras opulentas bugigangas que
nos deixariam supostamente muito mais inteligentes, ou atraentes.
No afã de garantir a
continuidade dessa compulsão, a mídia vende à sociedade a ilusão de que nossa
capacidade financeira melhorou, deixando-nos viver desse ledo engano, pois, compramos
justamente pelo contrário e prova disso é que o que compramos, seja majoritariamente
por meio de cartões de crédito, ou de forma parcelada e coisas desnecessárias,
descartáveis em poucos dias depois de compradas, peças de roupa, feitas para
serem usadas apenas uma vez, entre outros produtos de consumo imediato.
Infelizmente este nosso estilo,
não nos deixa tomar ciência dos paradoxos que nos atropelam a todo o momento. O
primeiro deles está no fato de que as coisas verdadeiramente essenciais continuam
caríssimas e inacessíveis para a grande maioria da população mundial.
Produtos como habitação, saúde
e educação, são luxos inalcançáveis para muitas pessoas. Em algumas partes do
mundo, as hipotecas de casas tornaram-se num mecanismo altamente predatório
para os clientes, mesmo que paradoxalmente lícito.
Em outros, uma casa é um item quase impossível
de se obter e muitas pessoas, apenas têm acesso a uma em bairros sem
absolutamente nenhuma estrutura social básica (rede de esgoto, energia
elétrica, água canalizada, arruamentos, etc.).
A saúde que cada vez mais se
mercantiliza por ação de planos privados, e pseudocooperativas de saúde fica cada
vez menos acessível, mesmo em países que utilizam algum sistema universal de
saúde.
A morte de crianças pobres se
tornou corriqueira e para muitas famílias igualmente pobres, sair vivo de um
hospital público é uma arriscada loteria.
A educação não está isenta desses
efeitos nefastos. Pois, as escolas públicas, quase sempre são as piores nos
quesitos mais importantes, quando são boas, reservam-se aos alunos que provêm
das classes mais favorecidas, os filhos das elites. Aos pobres como sempre,
sobram de graça, apenas os presídios.
Essa tendência encontra-se de
modo mais atroz nos países considerados subdesenvolvidos, para onde nas últimas
décadas têm-se deslocado as indústrias, que antes se localizavam no ocidente e
aqui surge um dos grandes paradoxos desse consumo desenfreado, que é o seguinte:
O argumento para o deslocamento
das indústrias do “primeiro” para o “terceiro” mundo foram a geração de
empregos e a possibilidade de capacitação das populações locais, contudo, isso
mostrou-se uma falácia, ao se constatar que o trabalho dessas fábricas é
extremamente precarizado, os trabalhadores recebem salários miseráveis e por
isso são forçados a viver em condições subhumanas. A promessa de um emprego
provou ser um engodo para ajustar os lucros dos capitalistas à sua extrema
miséria. Como se supõe que eles já estavam mortos sem essa “intervenção”, então
na cabeça destes empresários, não havia mal nenhum usá-los por míseros salários
para produzir as roupas que eu e você podemos comprar por uma pechincha.
É aqui que a coisa fica nebulosa
para alguns de nós, pois é onde o nosso consumo se esbarra com a miséria de uma
parcela imensa, mas supostamente insignificante de algum país periférico desconhecido,
sem expressão na geopolítica mundial.
O deslocamento das indústrias
para países em desenvolvimento com a desculpa de que gerarão empregos e
possibilidades de capacitação das populações locais provou-se uma falácia, que
na verdade serve para precarizar a indústria em vez de desenvolver tais países
e para explorar “legalmente” pessoas que já vivem em condições subhumanas, pois
normalmente são países com regulações ambientais extremamente falhas, com
governos muito corruptos que fecham os olhos ao despejo de resíduos tóxicos sem
nenhum cuidado poluindo lençóis freáticos e rios importantes como acontece, por
exemplo, com o rio Ganges.
Por tudo isso, precisamos
começar a nos questionar sobre esse consumo irresponsável e nos mobilizarmos
para práticas que sejam menos tóxicas não apenas para nós mas para as futuras
gerações em todas as partes do globo.
Este texto foi publicado originalmente no Pragmatismo Político: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/03/consumo-de-uns-miseria-de-outros.html
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