sexta-feira, 25 de maio de 2012

Quem precisa da verdade?

Resolvi experimentar a honestidade pura, aquela que beira a ingenuidade de criança e a senilidade da velhice. Achei que as pessoas gostariam mais de mim assim, curto, seco e verdadeiro, quase obseno. Tentei primeiro com os estranhos, pessoas que tinha acabado de conhecer. Não escondi comentários indecorosos e tentei ser espontâneo. Sempre que gostei, elogiei e quando me desagradou, escarrei um impropério. Recebi várias vezes aquele olhar aparentemente indiferente, que dói mais do que palavras chulas. Fui tratado como pervertido e em algumas vezes o assunto quase se tornou questão de polícia. Decidi parar por aí, e virei-me para os amigos. Como todos eles diziam que a honestidade era o que mais prezavam, tive a impressão de que seria uma experiência libertadora. Não tive medo de usar elogios de pedreiro para as minhas amigas e fazer rodapés sobre seu mau gosto quando se tratava de escolher namorados. A maioria ofendeu-se, xingou e cortou relações e mesmo depois de uma fortuna em flores consegui resgatar apenas algumas delas, mas tive que prometer, que jamais seria  tão honesto. Preferiam-me um elogioso mentiroso.
Meus amigos gabavam-se de serem verdadeiras fortalezas, imunes aos sentimentalismos fabricados para as mulheres, por isso, achei que resistiriam melhor aos meus acessos de sinceridade. Testei-lhes ao máximo. Confessei meu amor suspeitamente platônico por suas namoradas e o flerte inconsequente, por pura diversão. Nunca levei tanta surra, deixei de sair com a maioria deles por um tempo, quem sabe não sucumbiriam à tentação de envenenar-me para acabar com aquele sorriso cronicamente sincero, que eu transportava desde que me decidi por este caminho.
Então, era hora de testar a família, já que eles toleram nossas esquisitices de forma impossível e ao menos seu amor incondicional era mais certo do que meu próximo aniversário. E sem muitos escrúpulos, quando a noiva de meu primo que cumprimentava a todos com pedidos de empréstimo me perguntou o que eu achava dele, não resisti: é um caloteiro e irresponsável. Isso me custou o convite para o seu casamento e mesmo sabendo que eu dizia a verdade passaram a chamar-me de intriguista e invejoso. Nos funerais, eu sempre lia os elogios fúnebres, porque minhas tias gostavam da minha tranquilidade quase poética, mas quando comecei a corrigir as passagens que eu achava hipocrisias ofensivas, barraram minha tristeza sincera e deram-me um ultimato: funeral, só mesmo no teu! Agradeci a dispensa de forma educada e com um sorriso que não consegui dissimular, minha sinceridade compulsiva me traiu de novo, talvez nem no meu próprio funeral eu fosse aceite. Preferi não me preocupar, pois sabia que pelo menos meus pais apoiariam minhas verdades obcenas e não tive medo de reclamar da falta de amor em seu aniversário de 32 anos de casamento, não me deserdaram porque agora viviam às minhas custas, mas obrigaram-me a engolir meu discurso moralista, aquele que eles me tinham forçado a aprender à chineladas. Tive de me desculpar pagando missas de reconciliação só para voltar a ter o direito de lhes chamar pais. Meus irmãos, que sempre foram espíritos  abertos ofenderam-se mais ainda  e me culparam antecipadamente pelos problemas de saúde dos velhos e aconselharam a guardar longe minha honestidade, como todo adulto sensato. Restando-me apenas regurgitar, sobre  para que servia a verdade, afinal?

Nenhum comentário:

Postar um comentário