- A realidade é desobediente!
Ela
deixou pairar a ideia sobre a sala, ainda por alguns instantes, enquanto a
maioria de nós tentava se concentrar na profundidade daquela sentença, fazendo
conexões mirabolantes com as situações que estávamos a discutir.
Eu
adorei a frase, atirada assim, de rompante, sem nenhuma pretensão, mas que alcançou um
efeito inesperado, porém, como já é meu vício
conhecido, apropriei-me dela sem falsos pudores, imaginando exemplos vários em
que ela (realidade) se comporta como uma criança birrenta, ou um adolescente
com TOD (transtorno opositor
desafiador), sem me esquecer da conveniente ressalva a respeito da
desnecessária, mas quase imediata patologização do comportamento desse adolescente
malcriado. É bem verdade que não deixei de parte a possibilidade de que o problema
poderia ser também, um provável sintoma de uma sociedade inteiramente capenga e
incapaz de lidar com o imprevisível. Porém, achei melhor me esforçar
em abordar apenas a angústia causada pelas inconstâncias dessa criança irreverente e
irrequieta, que com suas flutuações de humor nos obriga a reescrever constantemente
nossos planos de longo prazo, aliás, parece até que nessa lógica seria mais
aconselhável extinguir o “longo prazo”
de nossos cronogramas, pois curto e médio parecem oferecer-se como nuances mais
coerentes dessa parafernália cotidiana, que caracteriza nosso modo de vida
supostamente moderno.
Contudo,
enquanto aquele adolescente amadurece, sua rebeldia continua nos incomodando,
agora mais fina e sofisticada de tal modo que aquela antiga angústia, antes
experimentada apenas esporadicamente, vai-se tornando numa espécie de estado
permanente, imbricando-se nas várias esferas de nossa vida (amorosa, familiar,
profissional, etc.) e aquele adolescente rebelde se transforma num adulto
intransigente e inflexível, elevando nossa angústia (a essa altura já
patologizada) a um perigoso sentimento de frustração, devido à nossa impotência
diante da tal realidade desobediente, que caprichosa nos obriga a prestar-lhe
reverência.
[1] Dedico este texto ao pessoal da incubadora da UNESP-Assis (2009) especialmente à Soninha que
disparou a frase e me possibilitou usá-la aqui.
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