Ninguém
nasce escravo da mesma forma que ninguém nasce intelectual, marceneiro, médico,
professor, etc., tornamos-nos todas estas coisas na medida em que somos
afetados pelas contingências sociais, econômicas, políticas e históricas.
Portanto, escravos nascem livres, mas infelizmente, presos a um contexto
sócio-histórico que os escraviza.
Tendo
sido submetidos à essa dura experiência de existência justamente por terem nascido
numa sociedade escravocrata, que se apossa inescrupulosamente de artifícios
científicos que legitimam de forma criminosa, sua suposta superioridade rácica.
É assim que algumas pessoas se vêm transformadas em escravos, - à nascença e às
vezes ainda no ventre de seus progenitores, porém, aquela jamais foi a sua
condição natural. Ser negro, essa sim era sua condição natural, uma manifestação
de características físicas, que não possuem influência nenhuma na competência,
criatividade, capacidade de desenvolvimento de instrumentos de trabalho,
interação entre as pessoas, entre outros, por isso, é um absurdo apresentar os
negros das Américas e de outros lugares essencialmente fora de África como
descendentes de escravos.
Ademais,
vejo nessa premissa uma perigosa continuidade da humilhação das mulheres e dos
homens negros, negando aos mais jovens a possibilidade de buscarem identificar-se
com suas origens, afinal, por que eles se orgulhariam em ter descendido de
escravos? Pessoas que foram e ainda são muitas vezes diabolizadas,
bestializadas e infantilizadas? Tratadas como se fossem monstros sem consciência,
criaturas macabras e atrozes ou infantes sem discernimento, incapazes de
distinguir por conta própria mau de bom, sem consciência moral, sem uma história,
ou patrimônio cultural. E quando a possuem, é supostamente apenas graças a
benevolência de seus patrões, que ao os adquirirem nos mercados de escravos emprestavam-lhes
alguma réstia da sua civilidade ocidentalizada.
Portanto,
não! Eu não sou descendente de escravos, mas de homens que sempre foram livres,
com uma cultura e história infelizmente apagado das narrativas oficiais, de
homens que tiveram a dignidade negada e
foram forçadas a viver numa subserviência injusta e desumana.
Por tudo isso, jamais
serei descendente de escravos!
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