segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Não sou descendente de escravos, mas de homens e mulheres que foram escravizados


Ninguém nasce escravo da mesma forma que ninguém nasce intelectual, marceneiro, médico, professor, etc., tornamos-nos todas estas coisas na medida em que somos afetados pelas contingências sociais, econômicas, políticas e históricas. Portanto, escravos nascem livres, mas infelizmente, presos a um contexto sócio-histórico que os escraviza.

Tendo sido submetidos à essa dura experiência de existência justamente por terem nascido numa sociedade escravocrata, que se apossa inescrupulosamente de artifícios científicos que legitimam de forma criminosa, sua suposta superioridade rácica. É assim que algumas pessoas se vêm transformadas em escravos, - à nascença e às vezes ainda no ventre de seus progenitores, porém, aquela jamais foi a sua condição natural. Ser negro, essa sim era sua condição natural, uma manifestação de características físicas, que não possuem influência nenhuma na competência, criatividade, capacidade de desenvolvimento de instrumentos de trabalho, interação entre as pessoas, entre outros, por isso, é um absurdo apresentar os negros das Américas e de outros lugares essencialmente fora de África como descendentes de escravos.

Ademais, vejo nessa premissa uma perigosa continuidade da humilhação das mulheres e dos homens negros, negando aos mais jovens a possibilidade de buscarem identificar-se com suas origens, afinal, por que eles se orgulhariam em ter descendido de escravos? Pessoas que foram e ainda são muitas vezes diabolizadas, bestializadas e infantilizadas? Tratadas como se fossem monstros sem consciência, criaturas macabras e atrozes ou infantes sem discernimento, incapazes de distinguir por conta própria mau de bom, sem consciência moral, sem uma história, ou patrimônio cultural. E quando a possuem, é supostamente apenas graças a benevolência de seus patrões, que ao os adquirirem nos mercados de escravos emprestavam-lhes alguma réstia da sua civilidade ocidentalizada.

Portanto, não! Eu não sou descendente de escravos, mas de homens que sempre foram livres, com uma cultura e história infelizmente apagado das narrativas oficiais, de homens  que tiveram a dignidade negada e foram forçadas a viver numa subserviência injusta e desumana.

Por tudo isso, jamais serei descendente de escravos!

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