Míriam M. C. Garrido, doutorando do curso de História na Unesp, campus de Assis |
Uma
vez fui a Fortaleza com meu irmão mais novo. Toda vez que pedia indicações às
pessoas nas ruas as respostas eram direcionadas ao meu irmão (homem) e não a
mim que havia feito a pergunta. Ali aprendi que os homens devem nos guiar nas
viagens. Ou quando fui a Lisboa e um
senhor simplesmente me agarrou pela cintura e me suspendeu porque havia sorrido
para mim e eu retornei o sorriso. Com pedidos agressivos de “onde é seu hotel”
aprendi que além de guiada por homens eu também não podia sorrir nas ruas.
Mas
agora me vejo numa situação totalmente nova. Estudante de doutorado estou
morando nos Estados Unidos, uma vez que, minha pesquisa sobre militância negra
brasileira tem revelado afinidades com os movimentos negros estadunidenses das
décadas de 1960 e 1970. Aqui aprendi que sou mulher, latina, brasileira e
outras coisas de que não me havia apercebido.
O
título do texto parece estranho não? Estranho ou não ele ajuda a explicar um
dos maiores estranhamentos que tive nas primeiras semanas da minha chegada aos
E.U.A. Na primeira casa onde morei conheci um homem americano (40 anos), que
sabia da minha condição de estrangeira obviamente. Dizendo-se interessado em me
mostrar onde eu poderia comprar comida e outras coisas necessárias à minha
adaptação ele se prontificou em levar-me ao mercado mais próximo, e coisas
semelhantes.
Ótimo, ajuda sempre é bem vinda e as pessoas que moram a mais tempo em determinadas cidades sempre sabem os melhores lugares e os mais baratos.
Ótimo, ajuda sempre é bem vinda e as pessoas que moram a mais tempo em determinadas cidades sempre sabem os melhores lugares e os mais baratos.
No
terceiro dia que o rapaz foi a casa (o que no Brasil poderia ser considerado
uma república estudantil) ele perguntou se eu tinha fome e que ali próximo
havia uma pizzaria. Porquê não? Eu fui... Durante o caminho para atravessar a
avenida ele segurou a minha mão (ok, deve ser porque a avenida era movimentada,
mas em seguida eu desvencilhei minha mão), depois me disse que era para eu me
sentir segura, pois agora tinha alguém para olhar por mim (opa, com 30 anos,
divorciada, me sustentando sozinha a mais ou menos 10 anos, nunca precisei de
alguém “para olhar por mim”, por que eu precisaria agora?), e a conversa foi ao
clímax quando ele sugeriu que talvez eu pudesse ficar definitivamente nos
Estados Unidos, pois, ele casaria comigo vialibilizando assim meu pedido do
green card.
“Pera”, como assim? Em que momento eu
disse àquele homem que eu desejava morar nos Estados Unidos por tempo indeterminado
ou me tornar “cidadã americana”? em que momento eu dei a entender que era uma
pessoa (mulher) frágil que necessitava de cuidados de outrem? Em que momento eu
permiti certas aproximações físicas que ele tentava mais enfaticamente após
revelar as verdadeiras razões para a sua “prestatibilidade”?
Agora penso que as indagações que me passaram à mente naquele momento muito se assemelham às vítimas de violências que se sentem culpadas pelas ações do outro... Quantas mulheres saem às ruas todos os dias para trabalhar e estudar e são interrompidas – de inúmeras formas – por homens que acreditam estar exercendo seu direito de dominar uma outra pessoa? Quantas mulheres sofrem violências físicas e psicológicas (na família, na escola, no emprego) todos os dias? E o pior de tudo isso, quantas de nós mulheres não começamos a nos questionar “E se eu tivesse ido por uma rua mais movimentada? E se eu estivesse usando calças? Será que deixei ele pensar que podia fazer isso comigo?”. Não, isso não é justo comigo.
Pelo que depois me explicaram as brasileiras intercambistas, ao encontrá-lo pela terceira vez e aceitar uma pizza eu estava aceitando o “date”, ou seja, estava saindo com aquele homem. Novamente eu me senti impotente na minha condição de mulher e turista, mas agora também brasileira, que aos olhos do estadunidense é a tradução da busca pelo american dream. Só que eu não estava interessada em nada daquilo. Nem ter um “date” nem me tornar cidadã estadunidense. Repito, minha primeira reação foi pensar em que momento eu deixei implícitas essas coisas para aquele homem, mas com o tempo percebi que nada do que eu fiz ou disse indicava nenhum daqueles pré conceitos estabelecidos por aquele indivíduo.
Infelizmente grande parcela dos imigrantes brasileiros ainda vêem o casamento como uma forma de entrar para a sociedade estadunidense e garantir assim maior acesso ao bem estar social, aos bens de consumo e a elevação do status quo. Isso me foi explicitado por várias outras brasileiras em diferentes ocasiões. Mas em que medida essas mulheres também não são vítimas inconscientes de um estereótipo lançados sobre nós mulheres, latinas e brasileiras?
O texto não tem uma conclusão, eu ainda vivo aqui e estou tentando aprender a conviver com a frieza americana e a coisificação do corpo da mulher (latina de uma forma geral), mas com o texto proponho uma reflexão: até quando vamos nos sentir culpadas pelos “santos assédios de cada dia”?
Agora penso que as indagações que me passaram à mente naquele momento muito se assemelham às vítimas de violências que se sentem culpadas pelas ações do outro... Quantas mulheres saem às ruas todos os dias para trabalhar e estudar e são interrompidas – de inúmeras formas – por homens que acreditam estar exercendo seu direito de dominar uma outra pessoa? Quantas mulheres sofrem violências físicas e psicológicas (na família, na escola, no emprego) todos os dias? E o pior de tudo isso, quantas de nós mulheres não começamos a nos questionar “E se eu tivesse ido por uma rua mais movimentada? E se eu estivesse usando calças? Será que deixei ele pensar que podia fazer isso comigo?”. Não, isso não é justo comigo.
Pelo que depois me explicaram as brasileiras intercambistas, ao encontrá-lo pela terceira vez e aceitar uma pizza eu estava aceitando o “date”, ou seja, estava saindo com aquele homem. Novamente eu me senti impotente na minha condição de mulher e turista, mas agora também brasileira, que aos olhos do estadunidense é a tradução da busca pelo american dream. Só que eu não estava interessada em nada daquilo. Nem ter um “date” nem me tornar cidadã estadunidense. Repito, minha primeira reação foi pensar em que momento eu deixei implícitas essas coisas para aquele homem, mas com o tempo percebi que nada do que eu fiz ou disse indicava nenhum daqueles pré conceitos estabelecidos por aquele indivíduo.
Infelizmente grande parcela dos imigrantes brasileiros ainda vêem o casamento como uma forma de entrar para a sociedade estadunidense e garantir assim maior acesso ao bem estar social, aos bens de consumo e a elevação do status quo. Isso me foi explicitado por várias outras brasileiras em diferentes ocasiões. Mas em que medida essas mulheres também não são vítimas inconscientes de um estereótipo lançados sobre nós mulheres, latinas e brasileiras?
O texto não tem uma conclusão, eu ainda vivo aqui e estou tentando aprender a conviver com a frieza americana e a coisificação do corpo da mulher (latina de uma forma geral), mas com o texto proponho uma reflexão: até quando vamos nos sentir culpadas pelos “santos assédios de cada dia”?
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