sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A estética do parecer


A maior parte de nós tem a certeza de que vivemos na época do ter e não mais do ser, pois, antes o importante era ser, seus vizinhos, amigos e parentes, esperavam conhecê-lo pelo caráter e personalidade. As pessoas eram descritas por fórmulas como: o fulano é confiável e prestativo; o beltrano é um cara abnegado, esforçado e competente e a cicrana é honesta, inteligente e diligente, por isso, as referências a respeito de alguém podiam ser atestadas facilmente pela informalidade do boca-a-boca daqueles que conheciam ou conviviam com tal pessoa.
Depois deste tempo surgiu a época do ter, quando as coisas começaram a tornar-se difíceis. As pessoas passaram a ser  medidas pelo que tinham, suas posses determinavam quem você era, muito mais do que seus valores, virtudes e caráter; aliás, o significado de todas estas palavras foi redefinido de modos que elas passaram a estar associadas ao quanto você podia comprar, as coisas materiais passaram a ser elas mesmas, vistas como valores, nossos carros, relógios, celulares e outras bugigangas de que tanto nos orgulhávamos, passaram a conter em si mesmas, nossos valores morais, que em um passado não muito distante, somente podiam ser investidos nas pessoas. Então, começamos a comprar e reproduzir absurdos incríveis: ternos passaram a indicar respeitabilidade, responsabilidade e competência, a marca do carro indicava prosperidade, ou uma vida bem sucedida, o tamanho do escritório falava sobre nosso espírito empreendedor e a abastança dos móveis  mostrava nosso alto sentido estético. Mas as coisas não pararam por aí, pois, como se não fosse possível piorar, estabelecemos a sociedade do Parecer Ter, onde mais importante ainda do que o Ser ou o Ter, é o Parecer. Viver das aparências tornou-se um exercício obrigatório e a opulência que antes já fazia parte do nosso dicionário de vícios, ganhou uma visibilidade ainda maior, deixou os recantos tímidos de uma vida hipocritamente humilde para ocupar a sala principal, com a diferença de que agora já ninguém mais precisava de ter coisa alguma, apenas de descobrir o esquema do parecer.
A infeliz massa de gente desinformada acreditava, que havia começado uma época revolucionária, pois, acenava-se para eles com a ilusão de oportunidades iguais, prometendo-se-lhes (mentirosamente),  a opulência, que antes era privilégio apenas de alguns. Inventaram-se assim os cartões de crédito, as hipotecas, os empréstimos à prazo, os cheques especiais, os pagamentos parcelados com e sem juros e toda uma gama de  artifícios, que serviam para alimentar esta ilusão. Como consequência, “honra” tornou-se uma palavra obsoleta sendo  imediatamente substituída por “garantia”, que tornou-se por sua vez, um negócio lucrativo gerido principalmente por aquelas instituições, que causaram essa inflação de vidas aparentes, porque para parecer ter é preciso oferecer garantias para as mesmas pessoas a quem se pagam taxas pesadas para continuar a ostentar essa fantasia ofensiva.

Um comentário:

  1. A equação do mundo em que vivo onde o conhecer uma pessoa será directamente proporcional ao facto de saber a marca e côr do carro (Ex.: Quem aquele mwadié, dono do Elantra prateado?);
    Não se tratando de operações exactas por si só, podemos ainda levantar outras hipóteses de solução. Menos provável, porém mais humana, seria a de relacionar a sua existência directamente com o grau de parentesco (Ex.: Ah! O irmão da dona da loja de cosméticos.);
    Certamente haverá outras hipóteses: as improváveis, as impossíveis e as inexistentes (Ex.: ...não existem exemplos para os tempos de hoje)...
    Com um bocado de sorte, alguém que não conheça o carro, cargo, ou irmã certamente tentará puxar pela memória podendo, na melhor das hipóteses caracterizar-te pela indumentária da última saída socialmente marcante. (Ex.: A moça que estava com um vestido curtinho creme e uma carteira da Prada.)...ao menos era eu...

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