domingo, 15 de setembro de 2013

Difícil mesmo é ser mulher!

Eu sou homem e talvez por isso, nunca saberei como é realmente, ser mulher, num mundo autoritário, heteronormativo e patriarcal, como o nosso. Porém, posso ao menos dar-me a oportunidade de ouvir suas vozes e tentar auscultar as injustiças e desigualdades sobre as quais elas falam, num esforço para explicar o inexplicável dessa vida sôfrega e miserável.
Tenho aprendido que nascer mulher e ser educada na sociedade em que vivemos, não é um empreendimento fácil, pois, ela tem que lidar com vários obstáculos. Aliás, desobstaculizar é um verbo que cabe perfeitamente à vida das mulheres, que ouvem desde cedo vários absurdos massacrantes.
Aprendi que ser mulher é aceitar que se faz parte do “sexo frágil” (frágil aqui lido criminosamente como incompetente) da classe que vive sob os auspícios do emocional. Por isso, é bem aceite, até desejável que as mulheres chorem enquanto os rapazes engolem em seco sempre que a ameaça de uma lágrima de qualquer natureza tenha a dignidade de molhar seus olhares supostamente insensíveis e seguros.
Ser mulher é ouvir que existem vários tipos de mulheres, mas que podem ser repartidas basicamente em dois. As boas para casar e as “outras”.
É viver em uma sociedade que nos condiciona a achar que mulher educada, inteligente abnegada e por aí fora, são apenas as nossas mães, portanto, todas as outras, não passam disso mesmo (outras!). Pessoas que por algum acidente genético são azaradamente do sexo feminino, uma desqualificação crônica que acarreta vários desdobramentos indesejáveis resultando em seres superficiais, não confiáveis, pouco ou nada racionais, incapazes de conviver com a dura realidade que os homens supostamente mais objetivos tratam de transformar, birrentas e reguladas por ciclos menstruais, menopausa, gravidez, etc., que causam desregulações hormonais doentias (de humor).
Ser mulher é ouvir sem saber bem como reagir a provocações descategorizantes, que reforçam a escabrosa ideia de que algumas até servem para casar, ter filhos e cuidar de uma família e quem sabe um dia, tornarem-se não iguais aos homens, mas numa subordinada bem comportada.
É carregar na testa o estigma de ser nada mais do que uma bunda gostosa, um peito que divide opiniões sobre se é ou não siliconado e ter outras partes do corpo depreciadas ou valorizadas apenas porque você escolheu não gastar seu tempo em uma academia, por que na cabeça masculina, você serve apenas para ser “conquistada e/ ou domesticada”, como se de um animal se tratasse.
Sexo por puro prazer, jamais! Pois isso seria uma perversão, até porque tu te tornaste a essa altura, objeto de desejo e jamais sujeito que deseja, aliás, ser humano, o que já pressupõe um panorama enorme e complexo de desejos, afetos, dinâmicas relacionais, etc.
É entrar para a faculdade e ouvir impropérios teóricos que dizem: A mulher não existe! Deixando para ti a sôfrega tarefa de saber, que corpo é esse que transporta as marcas de minhas vivências quotidianas?
Ser mulher é tentar fazer parte do mercado de trabalho, mas ser relegada apenas àquelas funções subalternas – secretária, recepcionista, ou qualquer outra que ofereça o mínimo de visibilidade, ou poder. Aliás, poder às mulheres, é considerado algo totalmente impensável, já que, supostamente, seus hormônios desregulados colocariam em risco qualquer organização que dirigissem.
Progressão profissional? Só sendo sombra, ou pior, amante de alguém.
E quando se alcança algum prestígio, não faltam dedos que levantam motivos obscuros que expliquem isso, apenas para desmoralizar tal façanha. Talvez apareça oportunamente alguém (homem, provavelmente) que reivindica a cadeira de patrono de tal conquista.
Emancipação? Uma utopia despropositada, uma mentira politicamente arquitetada para acalmar os ânimos.
Autosuficiência? Desejo proibido, quase um sacrilégio e quem ousar tentar, sofre aquilo que a sociedade considera de “justos suplícios.”
Ser mulher é ser uma mãe que é obrigada a sentir-se mal com seu sucesso profissional, em vez de ter filhos que se orgulhem por sua emancipação e emponderamento político. E seu sentimento de culpa, em relação a dificuldade em conciliar seu trabalho com sua vida afetiva, rapidamente pode ser transformado de forma perniciosa, numa prova de sua incompetência.
É repudiar ataques machistas e ser tomada como “feminista mal comida”.
É calar-se diante do assédio na rua, na escola, no local de trabalho, etc. pois a culpa é sempre da saia curta, do olhar “insinuante”, do andar feminino, da blusa provocante, ou seja, de quase tudo. Você se vê inesperadamente, tendo que cuidar da forma como respiras em público, porque aquele suspiro de cansaço de fim de expediente no elevador ou na fila do ônibus pode facilmente se converter numa provocação sexual propositada.
É sair comendo uma banana, ou chupando um sorvete, correndo o risco de ser taxada de tarada.
É não poder dispor do próprio corpo em público e muito menos em privado, é não escolher parceiros para não ser chamada de vadia.
É viver em uma sociedade que alimenta mitos como a sogra má, mulheres safadas, feministas mal comidas, etc., que alimentam a obscura estratégia do dividir para melhor reinar.
É ter que ver essa violência toda ser muitas vezes ensinada aos seus irmãos (homens) na sua própria casa e os ver sendo recompensados por serem machistas sexistas e misóginos.
Pois é, difícil mesmo, é ser mulher.

2 comentários:

  1. Você mata essa branquela de orgulho preto! Faz isso comigo não Feliz! Quase choro de tristeza por ler que é tudo isso mesmo e choro de alegria por ver que vem de um homem tanta lucidez, tanta consciência sobre o doloroso cotidiano feminino! Obrigada! =)
    Beijos mo bem! hahaha

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  2. Excelente texto parabéns!

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