sexta-feira, 9 de outubro de 2015

A injustiça por detrás dos nomes de família


Os nomes são parte importante de nossa identidade é por eles que somos conhecidos, ou apresentados ao mundo e aos amigos. O acesso aos vários direitos coletivos e individuais de que podemos dispor dependem em primeiro lugar, do reconhecimento de uma identidade civil, registro de um nome, ou seja, temos todos direito à um nome, pois ele nos identifica e individualiza. Curiosamente, ele pode ser também um marcador de nossa condição sócio-econômica.
Lembro-me que desde pequeno, qu sempre que era apresentado por alguém que não fossem os meus pais, não se fazia esperar muito até vir o previsível:
- Ele é filho do Sicrano, neto do Beltrano, sobrinho do Cicrano, que é cunhado do Fulano. Os sobrenomes operavam de maneira interessante uma mediação omnipresente nas mais diversas situações. Não raras vezes, quando precisávamos de tratar algum documento, era só chegar e dizer, sou o Cicrano filho do Beltrano para ter os problemas solucionados.
Enfim, com o tempo aprendemos que os nossos nomes próprios sempre pedem um sobrenome, pois tê-lo reconhecido, dá-te a possibilidade de circular mais livremente por vários espaços. Ele diz não apenas sobre quem somos, mas essencialmente, sobre a que clã pertencemos, de que família somos originários e por conseguinte, que fóruns nos são acessíveis e quais não estão abertos para o nosso pobre ou insigne sobrenome.
Todos já ouvimos aquele comentário aparentemente inofensivo:  
- Ele é da família Beltrana!
Talvez não nos preocupemos tanto com o fato, de o mesmo, estar carregado de sentidos e valores específicos, que são evocados ao se referir a tal família. Assim, as profissões pelas quais se conhece a família, as desgraças recentes e antigas,  os esqueletos no armário, conhecidos ou apenas supostos, todos eles vêm empacotados nesses comentários. Aliás não é raro depois desse reconhecimento preliminar começarem os questionamentos sobre parentes e várias outras fofocas, que supúnhamos, que só eram conhecidas pela família. É também interessante observar, que uma vez que fica provado a tua pertença àquela família, é como se toda a tua personalidade pudesse ser descortinada apenas por “pertencer” à mesma. Claro que a desilusão também é companheira quando se supõe que você é tão diferente de todos que possuem aquele sobrenome.
É fácil perceber, que toda essa trama no qual o nome está produz obscuras oportunidades econômicas (entendendo aqui o econômico da maneira mais ampla possível), ou seja, uma verdadeira capitalização do nome.
É claro que numa época em que tornamos facilmente tudo em mercadoria e valores de troca, esse salto é simplesmente um detalhe. Na política, na economia, nas artes e em outros espaços ele se torna tão importante quanto, ou muito mais do que a competência efetiva do dono do nome. Sua experiência quase sempre vai ser antecedida ou atestada (conforme o caso) pelo nome e ai de quem tem aquele sobrenome desconhecido, falido ou desacreditado.
Ao que parece, essa capitalização se sustenta na crença (Infundada), que ao herdar o nome, herdamos também todas as qualidades dos seus ascendentes, criando-se dessa forma, sindicatos ou reservas de espaços sociais e políticos baseados nos sobrenomes, surgindo equívocos despropositados. Fazendo com que alimentados por essa ilusão de transmissão genética de habilidades, que muitas vezes são sociais, filhos deliram ao ponto de achar que o sobrenome vai ajudá-lo a cantar com a maestria e limpidez da mãe, do pai, ou dos avós, desconsiderando os anos de experiência e todo tempo despendido em estudo e trabalho, confundindo a popularidade eventualmente alcançada, por causa do nome, com “talento de família”, ou jovens empresários, que têm o cinismo de alardear sobre sua sagacidade no primeiro negócio montado com empréstimos familiares generosos, ou aspirantes à política, que supõe ingenuamente, que a carreira dos pais, por exemplo, é adquirida por testamento.
Talvez seja justamente aqui onde podemos ver a cara mais perversa do uso dos nomes para garantir alguns privilégios. Algumas vezes um sobrenome se torna tão influente, que começa a parecer a própria alma do negócio, ou seja, ele se transforma num ingrediente tão importante para os negócios (sejam eles de que natureza forem), quando o próprio negócio. Ele se torna num livre trânsito para toda a espécie de ações lícitas e ilícitas, um objeto de desejo. As pessoas passam a esperar por uma oportunidade de usá-lo a seu favor através de artifícios dos mais diversos. As oportunidades que o nome permite, justificariam até as fraudes para usá-lo, mesmo que apenas temporariamente. Tornando-o o ônus do crime, enquanto se transfigura ele mesmo no próprio crime, por que já não é mais um simples nome. A essa altura tornou-se uma chave mestra, que aparentemente abre portas ilimitadas de oportunidades para os mais diversos oportunistas.

Enquanto isso, os pobres como sempre continuam a fazer a única coisa para a qual a sociedade criminosamente os tornou vocacionados, a reprodução de sobrenomes que trazem uma história de injustiças e falta de oportunidades, ou pior, a sua supressão de sua memória, sempre que produzem em alguma família miserável a aspiração por uma vida mais digna, invisibilizando desejos e tornando impossíveis os sonhos da maioria.

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