Os nomes são parte
importante de nossa identidade é por eles que somos conhecidos, ou apresentados
ao mundo e aos amigos. O acesso aos vários direitos coletivos e individuais de
que podemos dispor dependem em primeiro lugar, do reconhecimento de uma
identidade civil, registro de um nome, ou seja,
temos todos direito à um nome, pois ele nos identifica e individualiza.
Curiosamente, ele pode ser também um marcador de nossa condição
sócio-econômica.
Lembro-me que desde
pequeno, qu sempre que era apresentado por alguém que não fossem os meus pais,
não se fazia esperar muito até vir o previsível:
- Ele é filho do
Sicrano, neto do Beltrano, sobrinho do Cicrano, que é cunhado do Fulano. Os
sobrenomes operavam de maneira interessante uma mediação omnipresente nas mais
diversas situações. Não raras vezes, quando precisávamos de tratar algum
documento, era só chegar e dizer, sou o Cicrano filho do Beltrano para ter os
problemas solucionados.
Enfim, com o tempo
aprendemos que os nossos nomes próprios sempre pedem um sobrenome, pois tê-lo reconhecido,
dá-te a possibilidade de circular mais livremente por vários espaços. Ele diz não
apenas sobre quem somos, mas essencialmente, sobre a que clã pertencemos, de
que família somos originários e por conseguinte, que fóruns nos são acessíveis
e quais não estão abertos para o nosso pobre ou insigne sobrenome.
Todos já ouvimos aquele comentário
aparentemente inofensivo:
- Ele é da família Beltrana!
Talvez não nos preocupemos tanto com o
fato, de o mesmo, estar carregado de sentidos e valores específicos, que são
evocados ao se referir a tal família. Assim, as profissões pelas quais se
conhece a família, as desgraças recentes e antigas, os esqueletos no armário, conhecidos ou
apenas supostos, todos eles vêm empacotados nesses comentários. Aliás não é
raro depois desse reconhecimento preliminar começarem os questionamentos sobre
parentes e várias outras fofocas, que supúnhamos, que só eram conhecidas pela
família. É também interessante observar, que uma vez que fica provado a tua
pertença àquela família, é como se toda a tua personalidade pudesse ser
descortinada apenas por “pertencer” à mesma. Claro que a desilusão também é
companheira quando se supõe que você é tão diferente de todos que possuem
aquele sobrenome.
É fácil perceber, que
toda essa trama no qual o nome está produz obscuras oportunidades econômicas
(entendendo aqui o econômico da maneira mais ampla possível), ou seja, uma
verdadeira capitalização do nome.
É claro que numa época
em que tornamos facilmente tudo em mercadoria e valores de troca, esse salto é
simplesmente um detalhe. Na política, na economia, nas artes e em outros
espaços ele se torna tão importante quanto, ou muito mais do que a competência
efetiva do dono do nome. Sua experiência quase sempre vai ser antecedida ou
atestada (conforme o caso) pelo nome e ai de quem tem aquele sobrenome
desconhecido, falido ou desacreditado.
Ao que parece, essa
capitalização se sustenta na crença (Infundada), que ao herdar o nome, herdamos
também todas as qualidades dos seus ascendentes, criando-se dessa forma,
sindicatos ou reservas de espaços sociais e políticos baseados nos sobrenomes, surgindo
equívocos despropositados. Fazendo com que alimentados por essa ilusão de
transmissão genética de habilidades, que muitas vezes são sociais, filhos
deliram ao ponto de achar que o sobrenome vai ajudá-lo a cantar com a maestria
e limpidez da mãe, do pai, ou dos avós, desconsiderando os anos de experiência
e todo tempo despendido em estudo e trabalho, confundindo a popularidade
eventualmente alcançada, por causa do nome, com “talento de família”, ou jovens
empresários, que têm o cinismo de alardear sobre sua sagacidade no primeiro
negócio montado com empréstimos familiares generosos, ou aspirantes à política,
que supõe ingenuamente, que a carreira dos pais, por exemplo, é adquirida por
testamento.
Talvez seja
justamente aqui onde podemos ver a cara mais perversa do uso dos nomes para
garantir alguns privilégios. Algumas vezes um sobrenome se torna tão influente,
que começa a parecer a própria alma do negócio, ou seja, ele se transforma num
ingrediente tão importante para os negócios (sejam eles de que natureza forem),
quando o próprio negócio. Ele se torna num livre trânsito para toda a espécie
de ações lícitas e ilícitas, um objeto de desejo. As pessoas passam a esperar
por uma oportunidade de usá-lo a seu favor através de artifícios dos mais
diversos. As oportunidades que o nome permite, justificariam até as fraudes
para usá-lo, mesmo que apenas temporariamente. Tornando-o o ônus do crime,
enquanto se transfigura ele mesmo no próprio crime, por que já não é mais um
simples nome. A essa altura tornou-se uma chave mestra, que aparentemente abre
portas ilimitadas de oportunidades para os mais diversos oportunistas.
Enquanto isso, os
pobres como sempre continuam a fazer a única coisa para a qual a sociedade
criminosamente os tornou vocacionados, a reprodução de sobrenomes que trazem
uma história de injustiças e falta de oportunidades, ou pior, a sua supressão
de sua memória, sempre que produzem em alguma família miserável a aspiração por
uma vida mais digna, invisibilizando desejos e tornando impossíveis os sonhos da maioria.
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