Estou tentando há algum tempo rascunhar um texto em pudesse
refletir um pouco sobre algo que se tem tornado para mim, cada vez mais
incômodo.
O discursinho de que não sou preconceituoso, porque tenho um amigo
oprimido!
Nos dias correntes, os infelizes usuários deste argumento têm a
dupla surpresa de, por um lado, terem que lidar com uma rapidez quase
indesejável da propagação de suas energúmenas ações, e por outro, com o
crescimento da porção da sociedade, que não mais se indigna em silêncio, mas
chama a atenção para os comentários e atitudes despropositados e irresponsáveis
que somos forçados a ouvir muitas vezes de pessoas, de quem se espera o mínimo
de bom senso.
Somos obrigados a sentir o incômodo antecipado de frases clichês
do tipo:
Como eu posso ser racista? Eu até tenho um amigo negro!
Imagina se eu sou racista, eu tenho uma amiga negra e adoro o
cabelo dela!
Não sou homofóbico coisa nenhuma. Vou pra festas gays, e um dos
meus melhores amigos é gay!
Que é isso, adoro a comunidade gay!
Estes argumentos são usados de forma recorrente por pessoas que
acabam visadas na mídia como racistas, homofóbicos, ou por qualquer outra forma
de preconceito. Eles imaginam (supondo que seja pura ingenuidade) que ter um
amigo negro, ou gay é prova inequívoca de que não são preconceituosos. E
aproveitam-se do fato de terem tropeçado na vida, acidentalmente em algum negro
para oferecer sua relação com este, como prova de que não podem ser racistas. A
preguiça de usar seus neurônios, provavelmente ocupados em provar como suas
relações interpessoais são racialmente democráticas, contradizem-se com uma
propaganda altamente desrespeitosa da imagem do suposto amigo, transformando-o
numa espécie de amiguinho
de estimação, uma apólice para os casos de acusação de racismo, ou
homofobia, conforme a situação.
Para estes seria no mínimo interessante ler a poesia de Elisa
Lucinda (Mulata
exportação), para entenderem que explorar a
integridade do amiguinho já submetido à várias injustiças e desigualdades
estruturantes desta sociedade, não é menos racista, ou homofóbico muito pelo
contrário. Talvez fosse muito mais sensato, nestes casos, entender que: Você
é racista – só não sabe disso ainda (Túlio Custódio) e tirar fotos com negros não é uma boa forma de
diminuir o seu racismo, ou pior, sua estupidez e ignorância (acredite, é
possível piorar!).
E como sempre o “destino” nos oferece algumas pérolas
intragáveis, a da vez vem por meio de uma fotografia de um rapaz da Banda Fly,
publicada por uma fã, que surge depois do mesmo ter sido repudiado por seu
comentário racista na Revista
Atrevida e como se não bastasse este comentário
a fanpage da banda administrada por fãs decidiu adotar para os
seus infinitos minutos de irresponsabilidade, um bebé negro para justificar sua
suposta índole não-racista. Esta
foto levanta sérias questões sobre o que se passa com esse rapaz, com a banda e
com o gestor ou gestora daquele perfil, que para condimentar mais ainda tal atrevimento, vem com a seguinte
legenda: “Beem Racista Hein?!.”
Esta/este fã, visivelmente ainda em desenvolvimento, esqueceu-se
convenientemente (quem sabe?) de ter ao menos a consideração de apresentar a
criança, ou seja, posta a foto, sem dizer o nome do seu “amiguinho negro”, deixando clara a “sua preocupação antiracista”
(continuo a torcer para que seja só ingenuidade das pessoas envolvidas),
despersonalizando totalmente a criança.
Ela não é nada mais do que um simples adereço na fotografia do
moço, que na sua cabeça, deve achar que deu ao bebé a possibilidade de ser um
pouco famoso por ter posado com alguém, que claramente não se preocupou em
considerar a integridade de um Ser que infelizmente nem tem meios de se
defender e muito menos a possibilidade de dizer não! Àquele lugarzinho de
animal de estimação (os pais com certeza terão algo a dizer).
A fotografia leva-nos a questionar se não seria apenas um
oportunismo de quem faz a gestão do perfil, porque infelizmente com ela a única
coisa que se conseguiu foi expor irresponsavelmente uma criança, que nada tem a
ver com a falta de discernimento das pessoas envolvidas.
E aproveitando para problematizar a legenda que a acompanha eu
diria: “Não é menos racista
do que foi o comentário!”
P.S.: De maneira
alguma quero dizer que brancos não podem ter amigos negros e vice-versa, apenas
trato de trazer para discussão o uso de amigo que fazem parte de minorias, ou
maiorias minorizadas (negros, gays, lésbicas, transsexuais, etc.) para
argumentar que não somos preconceituosos. Mais importante do que ostentar esses
amigos é dispôr-se a discutir sobre como esses preconceitos precisam de ser
desconstruídos diariamente por todos nós.
Publicado originalmente no portal Geledés em 09 de Outubro de 2015
neste
link: http://www.geledes.org.br/amiguinho-negro-de-estimacao-tao-racista-quanto-seu-comentario/#gs.i16NBPE
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