sexta-feira, 25 de maio de 2018

O dia de África e a nossa falta de vergonha


Confesso que eu até me tinha esquecido que ontem era o dia D’África. Mas esta amnésia durou pouco tempo. Ao chegar ao campus pela manhã para dar as minhas aulas, encontrei uma universidade extremamente colorida. Os panos do Congo e as Samakakas, embelezavam o pátio e misturavam-se ao verde das plantas que ainda teimam pelo campus.
Vi mas não me ocorreu na altura, que tivesse a ver com a data. Então ao entrar para a sala perguntei aos alunos o motivo do colorido. Os alunos riram-se da minha amnésia e responderam em coro:
- Dia da África professor!
Lembrei-me então, que nas vésperas ouvi comentarem em casa que a minha sobrinha precisava de ir vestida com “traje africano” à creche.
Bom, fiz a minha cara de embaraçado e tentei desenvencilhar-me da minha desatenção com uma anedota e fomos para a aula. Contudo não pude deixar de me perguntar, já que me pareceu que vestir-se daquela maneira era render uma espécie de homenagem à mãe África, ou talvez um lembrete de nossas origens e identidade.
Onde deixamos a África nos restantes 364 dias do ano?
Onde guardamos a nossa africanidade quando não temos um 25 de Maio para comemorar?
Em que caixão empoeirado escondemos as reflexões filosóficas, sociológicas, econômicas que fazemos aos montes, neste dia?
Na minha universidade, hoje discutiu-se a produção científica dos países da Organização de Unidade Africana. Gostei da ideia, mas perguntei-me, quase me sentindo culpado. Porquê apenas hoje?
É verdade que alguém poderá simplesmente dizer que o simbologismo da data nos instiga a pensar sobre o continente. Mas pergunto (inclusive à mim mesmo), será que os nossos problemas apenas emergem em Maio? Ou apenas tornam-se mais exuberantes nesta altura?
Vejo com certa decepção, que em Maio surgem as confeiterias e pirotécnias discursivas que nos ajudam a amenizar o peso de consciência pelos restantes 364 dias nos quais não pensamos com a seriedade necessária sobre os vários problemas que nos fazem companhia de maneira omnipresente. Portanto, emerge um problema, na minha opinião quanto à essa essa identificação sazonal por ocorrência do dia 25, que é o facto de que se faz toda essa comemoração sem espaço para discussões mais profundas, sem reflexão e crítica sobre a colonização do nosso dia-a-dia, da nossa consciência, da nossa economia, em suma, sem politização absolutamente nenhuma. Apenas a festa pela festa!

Sei também que no resto do ano a maioria de nós perde-se num atribulado e desumano quotidiano em que nos sobra tempo, apenas para realizar um trabalho que serve somente para dar-nos o mínimo para voltarmos a trabalhar no dia seguinte, deixando-nos pouco ou nenhum tempo para pensar, criar e inventar, enfim para nos emanciparmos e nos empoderarmos.
Neste sentido, o 25 de Maio é apenas uma minúscula janela que surge uma vez por ano para fazer-nos esquecer temporariamente nosso estado de escravidão moderna, seduzindo-nos com um mergulho total e intencionalmente despolitizado no sedutor colorido dos Panos do Congo e das Samakakas à que reduzimos o dia de África. 


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