Confesso
que eu até me tinha esquecido que ontem era o dia D’África. Mas esta amnésia
durou pouco tempo. Ao chegar ao campus pela manhã para dar as minhas aulas, encontrei
uma universidade extremamente colorida.
Os panos do Congo e as Samakakas, embelezavam o pátio e misturavam-se ao
verde das plantas que ainda teimam pelo campus.
Vi
mas não me ocorreu na altura, que tivesse a ver com a data. Então ao entrar
para a sala perguntei aos alunos o motivo do colorido. Os alunos riram-se da
minha amnésia e responderam em coro:
-
Dia da África professor!
Lembrei-me
então, que nas vésperas ouvi comentarem em casa que a minha sobrinha
precisava de ir vestida com “traje africano” à creche.
Bom,
fiz a minha cara de embaraçado e tentei desenvencilhar-me da minha desatenção
com uma anedota e fomos para a aula. Contudo não pude deixar de me perguntar,
já que me pareceu que vestir-se daquela maneira era render uma espécie de
homenagem à mãe África, ou talvez um lembrete de nossas origens e identidade.
Onde
deixamos a África nos restantes 364 dias do ano?
Onde
guardamos a nossa africanidade quando não temos um 25 de Maio para comemorar?
Em
que caixão empoeirado escondemos as reflexões filosóficas, sociológicas,
econômicas que fazemos aos montes, neste dia?
Na
minha universidade, hoje discutiu-se a produção científica dos países da Organização
de Unidade Africana. Gostei da ideia, mas perguntei-me, quase me sentindo
culpado. Porquê apenas hoje?
É
verdade que alguém poderá simplesmente dizer que o simbologismo da data nos
instiga a pensar sobre o continente. Mas pergunto (inclusive à mim mesmo), será
que os nossos problemas apenas emergem em Maio? Ou apenas tornam-se mais
exuberantes nesta altura?
Vejo
com certa decepção, que em Maio surgem as confeiterias e pirotécnias discursivas
que nos ajudam a amenizar o peso de consciência pelos restantes 364 dias nos
quais não pensamos com a seriedade necessária sobre os vários problemas que nos
fazem companhia de maneira omnipresente. Portanto, emerge um problema,
na minha opinião quanto à essa essa identificação sazonal por ocorrência do dia
25, que é o facto de que se faz toda essa comemoração sem espaço para discussões
mais profundas, sem reflexão e crítica sobre a colonização do nosso dia-a-dia, da
nossa consciência, da nossa economia, em suma, sem politização absolutamente
nenhuma. Apenas a festa pela festa!
Sei
também que no resto do ano a maioria de nós perde-se num atribulado e desumano
quotidiano em que nos sobra tempo, apenas para realizar um trabalho que serve somente
para dar-nos o mínimo para voltarmos a trabalhar no dia seguinte, deixando-nos
pouco ou nenhum tempo para pensar, criar e inventar, enfim para nos emanciparmos
e nos empoderarmos.
Neste
sentido, o 25 de Maio é apenas uma minúscula janela que surge uma vez por ano para
fazer-nos esquecer temporariamente nosso estado de escravidão moderna, seduzindo-nos
com um mergulho total e intencionalmente despolitizado no sedutor colorido dos Panos
do Congo e das Samakakas à que reduzimos o dia de África.
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